A Ordem dos Médicos alerta para a necessidade de uma clarificação urgente da atual situação de indefinição no Internado Médico, em particular em Medicina Geral e Familiar (MGF) e em Saúde Pública, resultante da generalização das Unidades Locais de Saúde (ULS).
O modo como as competências das Administrações Regionais de Saúde (ARS) estão a ser transferidas para as ULS conduziu a um vazio organizacional nas estruturas do internato médico, com maior impacto em MGF e em Saúde Pública.
“A passagem de competências das ARS para as ULS foi mal feita, mal preparada e realizada de forma descoordenada, com vários aspetos a serem negligenciados. Este é mais um exemplo de uma reforma feita à pressa, sem consultar as pessoas, e com consequências para profissionais e utentes”, refere Carlos Cortes, Bastonário da Ordem dos Médicos.
“Esta é uma situação grave que exige uma solução imediata, pois coloca em risco a formação destes médicos internos, de algumas das especialidades com maiores necessidades no país”, conclui Carlos Cortes.
O sucesso da formação médica em Portugal assenta no desenvolvimento de um trabalho colaborativo entre estruturas com diferentes responsabilidades, formação e prestação de cuidados, desempenhando a Ordem dos Médicos um papel regulador e supervisor externo, tal como está definido na legislação vigente.
As Coordenações de Internato, de âmbito regional, têm um papel estruturante e pedagógico e são responsáveis por garantir a exequibilidade e concretização do programa de internato. Compete a este órgão garantir a aplicação dos programas de formação, em articulação com os outros órgãos do internato médico, sendo responsável pela nomeação dos diretores de internato de âmbito local.
“A independência entre as estruturas formativas e as organizações com responsabilidade assistencial trouxe um equilíbrio de forças relevante, salvaguardando potenciais conflitos de interesse, o que tem trazido reconhecimento internacional e, principalmente, contribuído para o sucesso dos cuidados de saúde à população e da formação médica de qualidade”, destaca Paula Broeiro, presidente do Colégio da Especialidade de MGF.
“O vazio legal e estrutural criado com o fim das ARS é visto pelo Colégio da Especialidade de MGF como uma ameaça sem precedentes à Medicina Geral e Familiar, com consequente reflexo na saúde da população, num momento, particularmente crítico, em que há cerca de 1 700 000 pessoas sem Médico de Família”, alerta a presidente do Colégio de MGF.
Para Luís Cadinha, presidente do Colégio de Saúde Pública, “é importante garantir que o Internato Médico de Saúde Pública mantenha a sua independência, autonomia e coerência em todo o território nacional. A especificidade da formação médica em Saúde Pública determina que os Orientadores de Formação, Diretores e Coordenadores de Internato Médico sejam especialistas em Saúde Pública. A criação das ULS não pode ser uma ameaça à formação médica consolidada nos últimos 35 anos. Pelo contrário, deve ser entendida como um momento de articular mais e melhor a formação das especialidades hospitalares, medicina geral e familiar, e saúde pública.”
Segundo Luís Cadinha, “enquanto não temos nova legislação sobre a formação médica, deve cumprir-se integralmente a legislação em vigor, de modo a assegurar a menor turbulência possível no internato médico e no percurso formativo de cada médico interno. É indispensável continuarmos a assegurar o cumprimento do programa formativo e a qualidade da formação em Saúde Pública”.
Atualmente existem sete Coordenações de Internato no país (Algarve, Alentejo, Lisboa e Vale do Tejo, Centro, Norte, Região Autónoma da Madeira e Região Autónoma dos Açores), nomeados pelas Administrações Regionais de Saúde (ARS) ou pelas Regiões Autónomas (RA).
Atendendo às necessidades nacionais de especialistas em MGF e em Saúde Pública e à relevância de manter coerência na organização da formação, em todo o país e em todas as especialidades, entende a Ordem dos Médicos que as Coordenações de Internato regionais são um órgão a preservar, com o atual perfil funcional e acima das ULS.
Com o propósito de manter a qualidade formativa e independência da atividade assistencial, sugere-se também que os Diretores de Internato locais de MGF e de Saúde Pública continuem a ser nomeados por proposta das Coordenações de Internato, à semelhança do que ocorre atualmente.
A Ordem dos Médicos encontra-se disponível para colaborar com a tutela e com os órgãos do internato para evitar a desestruturação do internato destas especialidades, num momento, de elevada carência destes especialistas.