O Conselho Europeu das Ordens dos Médicos (CEOM) reuniu em Tessalónica, na Grécia, no passado dia 27 de maio. O presidente do Conselho, José Santos, fez o discurso de abertura, demonstrado a sua solidariedade e a do CEOM para com as vítimas da guerra na Ucrânia e da pandemia de Covid-19.
Entre os vários temas relevantes e impactantes abordados na Assembleia Geral do CEOM, destacaram-se as problemáticas da violência contra os profissionais de saúde e dos cada vez mais elevados níveis de burnout entre os médicos, bem como a complexidade dos fluxos migratórios na Europa e o seu impacto no fluxo de “novas e velhas doenças”.
O tema “Burnout/Violência contra médicos e outros profissionais” foi conduzido por José Santos que relembrou o constante trabalho da CEOM nesta matéria. Ao longo de várias assembleias gerais onde o tema foi debatido, surgiu um grupo de trabalho das EMOS (European Medical Associations) sobre o burnout que já possui muito trabalho efetivado.
Em conjunto, os resultados do Observatório do CEOM sobre a violência contra profissionais de saúde e o inquérito da FEMS (European Federation of Salaried Doctors) sobre o mesmo tema, permitiram concluir que existe uma percentagem elevada de médicos internos em processo de especialização que já experienciaram burnout e que, pelo menos, 50% dos médicos já desenvolveram sintomas desta síndrome.
O risco de os profissionais de saúde desenvolverem burnout tem vindo a aumentar com a falta de médicos, as sobrecargas horárias – principalmente, durante a noite e fins de semana –, o constante stress sob o qual se encontram e a crise de Covid-19. Porém, ainda que estejam constantemente expostos a fatores de risco físicos e psicológicos nos seus locais de trabalho, com consequências nefastas para os próprios e as suas famílias, para a segurança dos próprios doentes e para as organizações onde trabalham, ainda são muitos os hospitais e instituições que não reconhecem o burnout como uma doença relevante e impactante. As EMOS, por sua vez, reconhecem o burnout profissional como um tipo de violência sociopsicológica a que os médicos estão sujeitos no seu local de trabalho, mas reconhecem que a violência contra os médicos faz parte de um problema muito maior, associado ao aumento crescente da violência, exigência desproporcional e intolerância que se tem desenvolvido no resto da sociedade.
Já na última reunião online do grupo de trabalho da CEOM contra a violência/burnout dos profissionais de saúde, realizada dia 25 de fevereiro de 2022, tinham surgido sugestões de medidas a apresentar para a minimização deste fenómeno, baseadas em quatro pilares: a legislação, desenvolvendo uma atitude de tolerância zero para a violência nos locais de trabalho e a criação de um sistema onde se possam reportar os atos de violência de forma a proteger as vitimas; a segurança, através da formulação de um plano que garanta a segurança, criando condições legais que ajam contra as agressões; a formação, através da formação para as skills de comunicação dos médicos, de forma a cultivar uma melhor relação médico-doente que contribua para a diminuição da violência; e por último, a comunicação, de forma a facilitar a denúncia dos atos de violência e garantir o apoio médico, psicológico, legal e financeiro, quando necessários.
Os diferentes países representados apoiaram as sugestões dadas pela CEOM, com destaque para a formulação de legislação, pelos diversos governos europeus, que torne a violência contra os profissionais de saúde um crime público. Foi também abordado o tema da formação, de um ponto de vista ético, exaltando as faculdades a fomentar nos jovens médicos um novo mindset que contribua para fomentar uma relação médico-doente mais humanizada assente na literacia para a saúde.
A problemática associada aos atuais fluxos migratórios na Europa teve grande destaque no debate, com o vice-presidente do CEOM, Nicolino D’Autilia, a conduzir o tema “Imigração e Saúde no período pandémico – O Modelo Siciliano no contexto do Mediterrâneo Europeu.” O fenómeno migratório apresenta dois grandes desafios: a capacidade dos sistemas de saúde em dar resposta às necessidades de toda a população que, futuramente, enfrentará mudanças na estrutura demográfica (envelhecimento e etnicidade); e a capacidade das instituições se organizarem de forma a lidarem com os fluxos migratórios, uma vez que são cíclicos e dependentes de alterações geopolíticas.
Atualmente, este fenómeno afeta em larga escala a Itália que se encontra sob uma sobrecarga gigante nos cuidados de saúde, com vários diagnósticos não habituais no território. Este desenvolvimento despertou a atenção dos Serviços de Saúde Europeus que agora se veem confrontados com a possibilidade de ter de vir a lidar com doenças “velhas”, já não habituais no continente europeu.
A situação dos refugiados menores de idade exponencia a gravidade do contexto, uma vez que muitos deles não são acompanhados por familiares. Portadores de várias patologias, incluindo doenças infeciosas, as barreiras linguística e cultural, bem como os aspetos psicológicos e emocionais envolvidos, tornam o tratamento e a abordagem a estas crianças muito complicada.
Num dia repleto de intervenções pertinentes, a reunião do CEOM contou com intervenções ao mais alto nível europeu. Foram abordados temas tais como o impacto da pandemia de Covid-19 na relação médico-doente, a garantia da Inteligência Artificial como uma ferramenta de auxílio à atividade dos médicos e não como substituta dos mesmos; a relação dos médicos com a indústria farmacêutica e a necessidade de garantir uma legislação uniforme em todos
os estados-membros; a proposta do ICoME (Internacional Code of Medical Ethics), atualmente em discussão pública, e que deverá estar finalizada em outubro de 2022. Da reunião resultou ainda a criação de um grupo de trabalho, em parceria com as EMOs, sobre o Burnout/Violência em cenário de guerra.
A reunião decorreu de forma estruturada, liderada por José Santos, presidente da organização, num ambiente tranquilo e livre para argumentação e apresentação de propostas, que levarão certamente a uma boa continuação dos projetos que estão a ser desenvolvidos no CEOM, em parceria com todas as outras EMOs. Participaram ainda João de Deus, presidente da FEMS e coordenador do departamento internacional da Ordem dos Médicos, e Filipa Lança, membro da direção do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos e do departamento internacional.
A próxima Assembleia Geral da CEOM está marcada para os dias 24 a 26 de novembro de 2022, no Luxemburgo.