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António Saraiva(1947-2024)

    Homenagem

    A Ordem dos Médicos lamenta a morte do colega António Saraiva, transmitindo a todos os familiares e amigos a sua solidariedade. Transcrevemos em seguida os textos de homenagem de vários colegas que com ele conviveram e trabalharam:

     

    António, sempre imprevisível, para ti não existem impossíveis, nem sempre segues o caminho óbvio. Sempre irreverente, para ti o mais fácil não é necessariamente o mais eficaz. És seguramente um dos melhores e mais corajosos endoscopistas com quem trabalhei, com quem adorava discutir este ou aquele doente. E tu sempre disponível durante os trinta anos que convivemos no serviço de Gastro do IPO de Lxa. És especial, olhas para além. Enfim, continuas aí. Um exemplo para quem souber ver. Até sempre.

     

    Cruzei-me a primeira vez com o António Saraiva em 1982. Ele, especialista, recém- chegado ao Serviço de Gastrenterologia do IPO. Eu, voluntário, frequentando o Serviço enquanto cumpria o SMO, que me obrigara a interromper o Serviço Médico à Periferia.

    Enquanto jovem médico, a personalidade do António fascinou-me. As conversas que tínhamos nos jardins do IPO, após a consulta e os turnos de endoscopia, sobre medicina, endoscopia, doentes, cancro e tantos outros temas criaram em mim a ideia de o António ser um homem à frente do seu tempo.

    Esse estágio e, em consequência, todos os médicos do Serviço, incluindo o António, tiveram muita responsabilidade na minha opção pela Gastrenterologia e de tudo o que essa opção veio a significar do ponto de vista profissional.

    Ao longo de quase 40 anos de convívio, muitas vezes muito próximo, outras nem tanto, mantive sempre a ideia de o António ser, em muitos aspectos, um gastrenterologista à frente do seu tempo. Contudo, muitas vezes senti no António a convicção de ser o tempo a não o acompanhar.

     

    António Saraiva: um espírito livre e controverso

    O Saraiva tinha tudo para que a nossa relação corresse mal. Tinha mau feitio, era um reacionário, defendia coisas impensáveis para mim. Foi essa a fotografia que dele extraí quando cheguei ao IPO em 1989.

    E, no entanto, conseguimos falar, entendermo-nos, e acabámos por ter uma amizade duradoura. Impensável, mas com fruição intelectual.

    Nenhum de nós mudou um milímetro das nossas posições. Ele tinha um prazer especial no debate e acho que era isso que valorizava quando estava comigo.

    Aproximou-nos um tanto o facto de os 2 celebrarmos a figura única do seu tio, António José Saraiva, grande intelectual das letras portuguesas do século XX, muitos anos ativo na militância do PCP.

    O Saraiva era muitas vezes um homem só, irascível, os colegas afastavam-se, criticavam-no pelo seu aparente individualismo. Mas, do seu pedestal, ele descia com prazer para me retorquir com coisas da política e da cultura. E, julgo eu, quebrava dessa maneira o seu isolamento e fruía por momentos do prazer da dialética. Era na base desses pressupostos que a nossa relação evoluía, improvável, saborosa, estimulante.

    Creio que, no fundo, o seu prazer na conversa, lhe fazia admitir que ele apreciava a liberdade de discussão e pensamento, algo que acabava por nos unir, embora sem que ele rompesse com todo o alicerce do seu pensamento.

    Lembro-me de o ter visitado em casa, uma simples, mas magnifica moradia no Restelo, num bairro deveras maravilhoso que por aí há e que senti como ato de distinção da sua parte. Logo ele fez questão de me sublinhar que tinha sido obra de Salazar para presentear funcionários públicos. Seria apanágio, segundo ele, de uma visão que nos dias de hoje nunca seria realizada.

    Recebi a notícia da sua morte quando me encontrava num local distante, o que tornou impossível comparecer à despedida. Eu faço anos a 25 de Abril, e foi nesse dia que o funesto evento aconteceu. Lá longe onde me encontrava, dei por mim a pensar que só o Saraiva, de tão casmurro conservador que era, tinha de escolher o dia da revolução para se ir embora. Como derradeira manifestação das suas convicções, quiçá do seu protesto e rebeldia.

    O seu desaparecimento deixou-me uma tristeza imensa e agradeço-lhe o ter me permitido compreender que a construção democrática implica um grande esfoço de acolher o outro e de tentar aprofundar a discussão.

    Claro que vou continuar a discutir com ele em pensamento.

     

    Conheci o Dr. António Saraiva quando era interno do Internato Geral no então Hospital Distrital de Torres Vedras. Por vezes pedia-lhe ajuda durante as suas visitas a este hospital.

    A sua colaboração era preciosa mas quantas  vezes desconcertante. Mais tarde, já no Instituto Português de Oncologia FG Lisboa, fazíamos parte da mesma equipa: Dr. Costa Mira, Dr.  Arruda, Dr. António Saraiva e eu.

    Aprendi com ele, e ensinou-me, muito, sobre endoscopia, gastrenterologia e sobretudo sobre a vida.

    Partilhávamos vivências no Serviço de Gastrenterologia, mas sobretudo nas longas viagens ao Serviço da Unidade de Endoscopia Digestiva de Lisboa, para Torres Vedras, Setúbal, Hospital Particular de Lisboa e Beja.

    Fascinavam-me  as suas histórias fabulosas sobre a vida, as relações, a amizade, a gastrenterologia e o mundo e não duvido que algumas delas eram verdadeiras …….. talvez.

    Mas que importa ! …. Eram inesquecíveis, maiores que nós, maiores que o mundo, maiores  que a vida.

    Obrigado António, nunca te vou esquecer, eras um grande amigo, valeu a pena.

     

     

    Conheci o António Saraiva quando entrei para o IPO em 1986. Era e sempre foi, um excelente clínico e endoscopista. Caracterizava-se também por ser «out of the box», irreverente, inesperado, extravagante… e são estas pessoas que se distinguem da mancha cinzenta que fazem história. Nessa altura o António dizia que, no futuro, ia estar um endoscopista senior à distância, com os monitores de vários colegas em formação que estariam a fazer o exame aos doentes e a serem orientados à distância. Nós riamo-nos … Para lá caminhamos, previste bem a evolução tecnológica António! Para além da parte profissional, o António tinha uma cultura vasta e era um excelente amigo, todos os anos me telefonava no dia 24 Dez!

    Fica a saudade!

     

    Conheci o Dr. Saraiva em 1993 e tive a possibilidade de poder trabalhar e conviver com ele até à altura da sua aposentação. Saliento qualidades que pude apreciar ao longo dos anos, sendo uma pessoa inteligente e culta. Como médico, tinha um bom relacionamento com os seus doentes. Recordo-o principalmente como uma pessoa que tinha a capacidade de falar sobre qualquer assunto, sempre com uma opinião pessoal. E era um exímio contador de histórias. Que descanse em paz!

     

    Conheci o Dr. António Saraiva ao ingressar no Internato de Gastrenterologia no IPO de Lisboa. O Dr. Saraiva, um dos especialistas mais experientes do Serviço, sempre demonstrou grande empatia, respeito e cordialidade na interação com os doentes, os colegas e outros profissionais. A sua educação e urbanidade foram marcantes na minha formação e os valores que professava são essenciais hoje e sempre. Sentiremos a sua falta. Omnia vincit.

     

     

    Tendo lido o que foi escrito pelos colegas tenho de concordar com quase tudo. Era um individualista extremo, uma pessoa totalmente «fora da caixa», tinha mau feitio mas era, ao mesmo tempo, de uma grande, enorme, generosidade e de afectos profundos. Era um homem completamente honesto – as histórias que contava eram verdade. Creio que, até certo ponto, gostava do risco e procurou sempre uma vida aventurosa e intensa. Viveu muito perto dos limites que a sociedade tolera, por vezes já fora deles: era muitíssimo corajoso. Nasci já muito depois dele; mas em pequeno não posso esquecer a influência que teve no meu gosto pelas ciências, isto numa família de gente de «letras». Fascinou­‑o a arqueologia e a paleoantropologia, a que viria a dedicar­‑me, a biologia, em que trabalhei quase toda a vida, a geologia, e são inesquecíveis para mim a nossas longas e pacientes procuras de cristais e minérios (era sempre ele que encontrava os melhores exemplares).

    Sim, era «contrário». Mas gostava de discussões e não era impossível fazê­‑lo mudar de opinião excepto em certas coisas para ele fundamentais. Era perfeitamente vulgar ter com ele uma discussão acerba sem que nos zangássemos. Cada qual que pensasse como pensasse e que o deixasse a ele pensar como pensava. Gostava ou não das pessoas pelo que elas são, não por aquilo em que acreditam.

    Individualismo, coragem, honestidade, tolerância, afectos sólidos, frontalidade, é com essas palavras que o caracterizo. Sinto a falta dele, penso nele muitas vezes. Não querendo o que os outros queriam, teve a vida que quis. Não é pequena coisa.

    Datas

    Nome completo: ANTÓNIO DE SÁ NOGUEIRA SARAIVA
    Cédula :  13568
    Especialidade: GASTRENTEROLOGIA
    Data de nascimento: 10/08/1947
    Data de formatura: 31/12/1973
    Faculdade: UNIVERSIDADE DE LISBOA
    Data de inscrição na OM: 08/01/1974
    Data de falecimento: 24/04/2024

    Nota: a OM assegura aos herdeiros os direitos de acesso, retificação e apagamento destes dados pessoais.

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