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Uma experiência num Centro de Saúde Sueco

Autoras: Alexandra  Azevedo, interna MGF USF Ronfe (ACeS Alto Ave) e Maria Inês  Madureira, interna MGF USF Duovida (AceS Alto Ave)

Resumo: No âmbito dos cuidados de saúde primários, o modelo de trabalho dos Países Nórdicos é considerado uma referência a nível internacional e no qual o modelo de saúde Português baseia algumas das suas práticas. Após vários contactos a Suécia surgiu como opção de estágio e, no início de maio de 2018, duas internas de Medicina Geral e Familiar rumaram a terras suecas.

Todos os Centros de Saúde suecos dispõem de autonomia financeira e gestão própria (contratualização de recursos humanos e materiais). Em relação a despesas de saúde, cada cidadão paga no máximo 110 euros/ano para consultas médicas, enfermagem, nutrição, fisioterapia… – é o chamado frikort (cartão livre) e até um máximo de 220 euros/ano para despesas com medicação e acima desses valores fica isento de qualquer pagamento adicional.

O Centro de Saúde Rasunda Vardcentral, que nos recebeu, localiza-se numa área metropolitana de Estocolmo, chamada Solna, caracterizada por ser uma zona habitacional, tranquila e familiar, com acessos fáceis a vários pontos da cidade. Este centro de saúde serve uma população de 12400 utentes, sendo o horário de funcionamento entre as 8 e as 17h. No primeiro dia de estágio, fomos recebidas pela orientadora de estágio, que nos apresentou o espaço e o funcionamento do serviço. Muitos dos elementos da equipa do centro de saúde eram de diferentes nacionalidades e falavam fluentemente inglês, permitindo-nos ultrapassar a barreira da língua sueca.

Rasunda Vardcentral é gerido por uma enfermeira coordenadora, sendo a equipa constituída por 10 médicos, 9 enfermeiros, 3 undernurses (responsáveis por realizar ECG, análises laboratoriais e técnicas básicas de enfermagem), 4 secretários clínicos, 1 recepcionista, 2 psicólogos, 2 kurator (terapeuta comportamental) e 1 assistente social. A equipa médica, além de especialistas, conta também com internos da especialidade e do ano comum. Por ser uma recomendação do Ministério da Saúde, existe a preocupação de que na equipa haja igualdade de género no número de elementos.

Tal como em Portugal, existem consultas programadas e abertas. As programadas são apenas dedicadas a adultos, sendo que as consultas de saúde infantil, planeamento familiar e saúde materna não são realizadas pelo médico de família, mas sim em clínicas específicas, não estando a vigilância destes grupos a cargo do médico de família. As consultas programadas podem ser presenciais ou não presenciais (contacto telefónico ou videochamada), sendo que estas últimas promovem uma melhoria da acessibilidade. Além das consultas abertas diárias, estão escalados um médico e um enfermeiro de urgência, que dão resposta a todas as situações agudas que surgem. A triagem da consulta aberta é realizada pelo enfermeiro, ficando o principal motivo de consulta disponível no sistema informático antes da consulta. Este procedimento facilita a preparação da consulta, como sucede, por exemplo, nas queixas compatíveis com cistite, em que uma tira teste da urina é realizada antes da consulta.

Para além de enfermeiros especialistas em cuidados primários, existem enfermeiras especializadas em Diabetes e Doenças Respiratórias, as quais têm grande autonomia na gestão da consulta – execução de espirometrias, prick testes e rastreio pé diabético, ensino de técnica inalatória e gestão da terapêutica inalatória e antidiabética.

Cada médico realiza, em média, 12 consultas/dia. Tanto as programadas como as abertas (quer médicas, quer de enfermagem) têm duração flexível podendo variar entre os 15 a 45 minutos, dependendo do motivo de consulta, vontade e idade do utente. Constatamos que a maioria das consultas era de 30 minutos. Vemos este aspeto como uma grande vantagem, pois permite dedicar mais tempo à exploração dos problemas do utente, à explicação do diagnóstico e tratamento e ainda tempo para posterior execução dos registos informáticos. Assim, o maior tempo de consulta permite ao médico não sobrepor as várias funções ao mesmo tempo. Outro recurso que poupa tempo à consulta é o facto de existir a possibilidade de os registos serem gravados em formato áudio e posteriormente digitados para o sistema pelos secretários clínicos.

O processo clínico do utente centraliza todos os registos clínicos dos cuidados primários e secundários, prescrição e referenciação num só programa, permitindo um fácil acesso a toda a informação. Existem escalas de avaliação clínicas (ex. AUDIT e CAT) informatizadas de auto-preenchimento no domicílio, que permitem privacidade e poupança do tempo de consulta, permitindo posterior acesso informático pelo clínico. A comunicação entre os cuidados primários e secundários faz-se através do processo clínico, em que ambos os profissionais trocam informações clínicas e assinam digitalmente, certificando que tomaram conhecimento e assegurando desta forma a reconciliação terapêutica.

As incapacidades laborais em até 7 dias o trabalhador não necessita de justificação médica, não sendo o primeiro dia pago e os restantes pagos em 80% do salário habitual. O regresso ao trabalho poderá ser feito faseadamente, em horário parcial e progressivo. Caso a doença incapacite o utente de voltar à sua atividade laboral são realizadas reuniões com a entidade verificadora dos relatórios médicos, o médico de família, o utente e a entidade patronal, no sentido de tentar adaptar o local de trabalho.

Em termos de recursos internos dispõem de laboratório de análises urgentes e não urgentes, MAPA, material de biópsia de pele e pequena cirurgia, material de infiltração intra-articular, prick testes, espirometrias, retoscopia e ECG.

O recurso a profissionais de Nutrição, Fisioterapia e Homeopatia é feito externamente ao Centro se Saúde e sem necessidade de intervenção pelo médico de família, podendo o utente recorrer diretamente a esse serviço. Os rastreios oncológicos são realizados de forma organizada, de base populacional, por uma entidade específica, não sendo esta uma responsabilidade do médico de família.

Durante o estágio foi-nos pedido para fazermos uma apresentação oral sobre os cuidados primários de Portugal. A particularidade que mais interesse despertou entre os profissionais suecos foi o agendamento das consultas programadas, na maioria das unidades, serem agrupadas por grupos de risco/vulneráveis, o que permite preparar o consultório com o material necessário e manter a mesma linha de pensamento, melhorando a fluidez dos procedimentos médicos.

Este estágio teve como mais-valia ter permitido o contacto com outra forma de gestão dos sistemas de saúde, nomeadamente a gestão financeira autónoma. Para além disso, o grande investimento financeiro nos cuidados de saúde primários disponibiliza uma variedade de recursos que permitem a prevenção, investigação diagnóstica e resolução dos problemas, evitando muitas vezes referenciações aos cuidados secundários ou recurso à medicina privada que é praticamente inexistente. O maior tempo por consulta revelou-se uma grande vantagem na abordagem do problema focado no utente.