+351 21 151 71 00

Resultados preliminares do painel de vigilância imunológica de portugueses com COVID-19

A Ordem dos Médicos promoveu, com vários parceiros (Fundação Vox Populi, Fundação Manuel Viegas Guerreiro, Fundação The Claude and Sofia Marion Foundation, Fundação Álvaro Carvalho, Centro de Medicina Laboratorial Germano de Sousa e Universidade Nova de Lisboa), um conjunto de estudos relacionados com o SARS-CoV-2, tanto na população em geral como nos profissionais de saúde. Um dos trabalhos consistiu em acompanhar um grupo de portugueses que tiveram COVID-19, num painel de vigilância imunológica que contou com mais de 600 voluntários. Os resultados preliminares, volvidos 10 meses desde que estas pessoas estiveram infetadas, foram apresentados dia 17 de fevereiro, numa conferência de imprensa via zoom.

O bastonário da OM, Miguel Guimarães, que deu as boas vindas a todos os presentes e agradeceu o contributo dos vários parceiros (Fundação Vox Populi, Fundação Manuel Viegas Guerreiro, Fundação The Claude and Sofia Marion Foundation, Fundação Álvaro Carvalho, Centro de Medicina Laboratorial Germano de Sousa e Universidade Nova de Lisboa) para um estudo que pode ser “importante para o país e sobretudo que pode vir a ser importante para a estratégia de vacinação” que estamos a implementar. Os dados apresentados são preliminares, mas, conforme anunciou Miguel Guimarães em breve haverá resultados finais, com dados essenciais para se conhecer o real impacto da pandemia e para preparar o país para o futuro, nomeadamente no que diz respeito ao plano de vacinação já em curso.

Álvaro Carvalho explicou que este estudo foi feito para analisar a resposta imunitária de 608 doentes que tiveram COVID-19, incluindo pessoas infetadas na primeira vaga com o objetivo de “analisar o desenvolvimento da imunidade humoral e a sua persistência durante os 10 meses após a infeção”. Caracterizando a amostra, explicou que a mesma abrange o país de norte a sul (Norte 36%, Centro 22% e Sul 42%), com voluntários de ambos os sexos, divididos por grupos etários da seguinte forma:

– Idade superior a 50 anos – 44%;

– Dos 30 aos 50 anos – 22%;

– Dos 17 aos 30 anos – 22%.

Todos os 608 indivíduos tinham feito teste PCR e dividiam-se entre assintomáticos (19%) e sintomáticos (80%). Metade da amostra eram profissionais de saúde (médicos, enfermeiros e auxiliares de ação médica), mas também incluíram utentes de residências séniores de todo o país.

Dos sintomáticos, 65% tiveram mialgias, 60% alterações do olfato e gosto, 57%, cefaleias e 55% tosse e febre. Só 6% tinham tido doença grave a exigir internamento. Sobre a origem do contágio, 54% achavam que se tinham infetado mais provavelmente no local de trabalho.

Álvaro Carvalho apresentou um resumo das conclusões preliminares:

– Cerca de ¼ dos participantes não tinham anticorpos logo na primeira determinação tendo sido “excluídos” do estudo;

– Dos 76% que tinham anticorpos alguns foram-nos perdendo da segunda para a terceira e quarta análises;

– Cerca de 60% mantinham anticorpos ao fim da terceira colheita (361 participantes);

– À quarta análise faltaram 103, por circunstâncias determinadas pela pandemia (como explicou Álvaro Carvalho, essas pessoas serão analisadas se possível na próxima colheita em abril, pois “a colheita de sangue anterior foi efetuada na quadra natalícia e durante o mês de janeiro, pico da vaga pandémica, já com confinamento instituído. Foi essa a razão porque as pessoas não se deslocaram aos postos de colheita, em muitos casos em concelhos fora da sua área de residência”).

Assim, dos 460 participantes que tinham anticorpos, na primeira determinação, “só podemos comprovar a sua persistência, aos 10 meses após a doença, em 225 casos”, número que poderá vir a ser alterado após a inclusão dos 103 participantes “em falta”.

Germano de Sousa, cuja rede de postos de colheita e laboratórios permitiu estabelecer uma importante parte da logística de recolha e tratamento das amostras em vários pontos do país, recordou que este é “o terceiro estudo que a OM tem feito” neste âmbito, depois da prevalência em profissionais de saúde e na população e enalteceu: “a Ordem dos Médicos foi a primeira instituição, além do INSA, a ter a preocupação em fazer um estudo de prevalência alargado na população em geral e nos profissionais de saúde, além deste, agora, para ver de que modo se comportam os anticorpos ao longo do tempo”. Germano de Sousa explicou que foram usados exames qualitativos e quantitativos muito precisos para determinar que anticorpos e em que quantidade existiam e concluiu manifestando o seu apreço por poder participar nesta iniciativa da OM.

Francisco Antunes referiu-se ao que definiu como um pequeno contributo, mas sem dúvida importante, dado por este estudo sobre “se todos desenvolvem resposta imunitária robusta que previna novas infeções e quanto tempo dura esta resposta”, dois aspetos dos quais “ainda se sabe muito pouco em particular nos doentes com COVID-19”, realçou, demonstrando a importância desta análise. Recordando que estes são resultados ainda preliminares “diria que este estudo pode ter aberto uma caixa de pandora”, e recordando outros estudos com incidência nos doentes hospitalizados, levantou várias questões, entre as quais:

– Será que a população de infetados por SARS-CoV-2 estudada estará mais sujeita a reinfeções do que os doentes que estiveram hospitalizados e sobreviveram?

– Será que esta população de infetados por SARS-CoV-2 não estará mais sujeita a reinfeções devidas às novas variantes do que os doentes que estiveram hospitalizados?

– Qual o peso desta população de infetados (não hospitalizados) em relação à estratégia de vacinação?

– E, se o risco de reinfeções (“menos graves, por regra, do que o episódio anterior”) for maior do que nos doentes que estiveram hospitalizados, qual o impacto em termos de Saúde Pública, quanto à manutenção da infeção na comunidade?

Deixando essa “caixa da Pandora”, Francisco Antunes distinguiu a imunidade inata – que responde mais rapidamente às infeções – da imunidade celular – adaptativa, que responde às infeções, e que está na génese da benignidade das doenças infeciosas quando se instala -, sublinhou que a imunidade dos infetados por SARS-CoV-2 deve continuar a ser estudada.

Helena Canhão, da Universidade Nova, explicou as principais vantagens deste estudo que, mais do que uma simples “fotografia”, “é um estudo transversal que implica uma logística superior e mais robusta” e que nos “permite fazer um filme dos doentes porque acompanha os mesmos indivíduos e analisa a sua evolução imunológica”, estabelecendo “um perfil ao longo do tempo”. Nesta análise preliminar, estudamos o tipo de anticorpos, sintomas, características e “conseguimos encontrar clusters, ou seja grupos, que permitam perceber fatores preditivos para o individuo manter os anticorpos ao longo do tempo ou para os negativar”, explicou.

Aos jornalistas, Álvaro Carvalho referiu ainda verificar-se preliminarmente que a imunidade em pessoas com idade superior a 50 e sobretudo na faixa etária acima dos 70 anos, é potencialmente maior do que dos 30 aos 50, reconhecendo que não se sabe ainda a que se deve esse facto. “Será porque a doença foi menos grave no grupo etário mais baixo?”, questionou. No contexto dessa afirmação preliminar, Helena Canhão explicou, também em resposta aos jornalistas, que “quando a pessoa é infetada” o que acontece a seguir “depende do hospedeiro, da sua resposta imunológica, da agressividade do agente infecioso”, da predisposição, etc. E que o fator idade só por si pode não ser determinante pois, exemplificou, “há pessoas mais jovens que podem ter doenças ou tomar medicamentos” que lhes diminuam a imunidade ou a resposta imune, lembrando que há muito que não sabemos sobre o SARS-CoV-2. Sendo por isso necessário individualizar fatores e estudar para procurar essas respostas. “Perceber se os diferentes sintomas se associam a um diferente padrão de desenvolvimento de anticorpos. (…) Quanto mais estudamos, mais questões vão surgindo; muitas delas não eram objetivo deste estudo”. “Será interessante perceber se os doentes se reinfectam ou não e se a alteração das variantes aumenta a taxa de reinfeção ou a gravidade da mesma”.