Promoção e vigilância da saúde de trabalhadores via serviços integrados no SNS
Reservando para um momento posterior uma análise mais detalhada, o Colégio da Especialidade de Medicina do Trabalho repudiou de forma preliminar a Portaria nº 112/2014 que pretende regulamentar o disposto no normativo português desde o Decreto-Lei nº 26/94, quanto à possibilidade de a promoção e vigilância da saúde de alguns trabalhadores poderem ser asseguradas através de instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde. Transcrevemos em seguida essa tomada de posição.
Posição do Colégio de Medicina do Trabalho:
“O Conselho Diretivo do Colégio da Especialidade de Medicina do Trabalho, reunido em 24 do corrente mês de Maio, analisou a recém publicada Portaria nº 112/2014, de 23 de Maio, e considerou:
1-A Portaria nº 112/2014 pretende regulamentar o disposto no normativo português desde o Decreto-Lei nº 26/94, quanto à possibilidade de a promoção e vigilância da saúde de alguns trabalhadores poderem ser asseguradas através de instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde.
2-Reconhecemos a necessidade e a importância de implementar tal prestação de serviços, a que poderá recorrer uma parte muito significativa da população trabalhadora portuguesa.
3-A solução encontrada merece, no entanto, a nossa total discordância e repúdio, por pecar por 3 ordens de razões:
a) Legais, pois que colide com o disposto no normativo português desde o distante Decreto 47512, de 25 de Janeiro de 1967, (primeira regulamentação portuguesa das atividades de Medicina do Trabalho), até à mais recente regulamentação, a Lei nº 3/2014, que fixam, inequivocamente, que tais serviços serão prestados por “médicos do trabalho”.
b) Técnico-científicos, pois que os médicos a quem a portaria pretende atribuir tais funções carecem de formação nesta área.
Se assim não fosse, não se compreenderia que o Estado Português tivesse criado a carreira médica de Medicina do Trabalho e o Internato Médico de Medicina do Trabalho (Portaria nº 307/2012) e que, anteriormente, tivesse validado os planos de formação da Ordem dos Médicos, desde 2002 com 4 anos de duração, em consonância com o estabelecido nos acordos com a Comunidade Europeia.
c) Deontológicos, pois que coloca os médicos que os praticarem sem a devida habilitação em violação do Código Deontológico da sua profissão, com todas as possíveis consequências daí decorrentes.
Assim, o Conselho Diretivo do Colégio da Especialidade de Medicina do Trabalho, surpreendido com a publicação da referida portaria, vem manifestar a Vª Exª o total repúdio do conteúdo da mesma e, ainda, solicitar que a Ordem dos Médicos reaja veementemente junto das entidades competentes para a imediata anulação da Portaria nº 112/2014.
Num espaço de tempo curto, faremos chegar a Vª Exª uma análise detalhada da referida portaria.
Sem mais, aproveito para apresentar a Vª Exª os meus melhores cumprimentos.
Coimbra, 26 de Maio de 2014. O Presidente do Colégio, A. M. Lopes Pires”
Posição do Colégio de Medicina Geral e Familiar:
O Colégio de MGF tomou conhecimento, sem que antes tivesse tido qualquer oportunidade de se pronunciar, da publicação em DR da Portaria nº 112/2014 de 23 de maio.
A filosofia subjacente a esse diploma legal baseia-se em que “Os cuidados de saúde primários, ou básicos, do trabalho são, à semelhança dos cuidados de saúde primários gerais, cuidados essenciais que usam métodos, tecnologias e saberes apropriados e universalmente acessíveis ….” e assim “No âmbito dos cuidados de saúde primários, considera-se que, o médico de família acompanha o utente/trabalhador ao longo da vida, pelo que é o profissional de saúde que está melhor habilitado para diagnosticar e tratar as doenças dos trabalhadores e promover a sua saúde no seu contexto geral e laboral.”.
A sua publicação, mais uma vez o salientamos, sem qualquer consulta prévia aos órgãos da Ordem dos Médicos, demonstra, quanto a nós, duas coisas:
• O Ministério da Saúde deste des(Governo) não sabe quais as competências nucleares da Medicina Geral e Familiar e qual o seu papel no Serviço Nacional de Saúde;
Ou se sabe:
• O Ministério, ao elaborar a Portaria, fê-lo assente na esperteza saloia, tentando atirar “areia aos olhos da população”, ao defender que os cuidados de saúde primários do trabalho são da competência da Medicina Geral e Familiar e não, quanto a nós, mais uma competência da Medicina do Trabalho, entrando em contradição com a Portaria n.º 307/2012 de 8 de outubro, que define o programa de formação da área de especialização de medicina do trabalho.
Vemos nisto mais um ataque profundamente capcioso, destinado a destruir a Especialidade de Medicina Geral e Familiar, atribuindo-lhe funções que não são da sua área de competência, como se a MGF fosse uma área médica onde tudo cabe, podendo colocar em risco o seu utente/trabalhador.
Aos Médicos de Família não lhes chega estarem, no presente, afogados em indicadores de duvidosa utilidade clínica, com metas definidas sem qualquer fundamentação científica, com listas de utentes de dimensão desmesurada, impostas à força, com sistemas informáticos lentos, inadequados e disfuncionantes, que em vez de facilitarem a sua prática clínica e a relação médico-paciente, só servem para as dificultar e levar à exaustão física e psíquica estes excelentes especialistas, ainda lhes querem impor atos médicos que não são da sua competência mas sim da área da Medicina do Trabalho.
O Colégio da Especialidade de Medicina Geral da Ordem dos Médicos:
• Acha inaceitável que a Ordem dos Médicos não tenha sido ouvida relativamente ao assunto, o que denota da parte deste Ministério da Saúde uma atitude de sobranceria e desprezo para com os representantes dos médicos que são quem detém legitimidade para emitir pareceres sobre as boas práticas técnico-científicas para o exercício da Medicina;
• Discorda da filosofia do referido diploma e aconselha os Especialistas de Medicina Geral e Familiar a usarem o dever de escusa se, em consciência, acharem não estarem aptos e ou em condições para exercerem os atos médicos, nos moldes exigidos pela referida Portaria.
Porto, 26 de maio de 2014, A Direção do Colégio
Posição do Colégio de Saúde Pública:
A Direcção do Colégio da Especialidade de Saúde Pública, após analisar o conteúdo da Portaria n.º 112/2014, de 23 de Maio, e de a contrastar com a demais legislação no âmbito da formação e do exercício médico da Medicina do Trabalho e da Saúde Pública, entende o seguinte:
- A solução encontrada pelo Ministério da Saúde para enquadrar a prestação de cuidados neste âmbito entra em contradição com o que o próprio Estado português tem legislado recentemente sobre a matéria, isto é, que os serviços nesta área devem ser prestados exclusivamente por médicos com a especialidade de Medicina do Trabalho. Recorde-se que, em tempos recentes e por reconhecer essa necessidade, o Ministério da Saúde criou, sob proposta da Ordem dos Médicos, o Internato Médico de Medicina do Trabalho.
- A solução encontrada pelo Ministério da Saúde é, na nossa perspectiva, uma solução de tipo “fácil e rápido”, isto é: recorre massivamente à mão de obra dos médicos de família, médicos encarados como “à disposição” do Ministério, para resolver um problema que deveria, em tempo e de forma reflectida, ser encarado de outro modo. Com esta solução, os médicos de família portugueses, que, globalmente, já exercem em difíceis condições e são frequentemente assoberbados com tarefas que os descentram da sua actividade prioritária, podem estar perante um acrescento à sua actividade normal de cerca de 700.000 a 900.000 actos médicos por ano.
- Entende a Direcção deste Colégio que a Coordenação desta actividade, em qualquer dos níveis da prestação, deve ser da responsabilidade de quem tem formação específica para a exercer, ou seja: médicos da especialidade de Medicina do Trabalho.
- Esta Direcção estranha também o recurso a conceitos com fundamentação não sustentada do ponto de vista técnico-científico, como o é a novidade “cuidados de saúde primários do trabalho”.
- Esta Direcção tomou ainda conhecimento da Posição sobre esta matéria do Colégio de Medicina do Trabalho, datada de 26 de Maio, com a qual concorda nas suas linhas de argumentação principais.
Pelo exposto, e resumidamente, a Direcção do Colégio da Especialidade de Saúde Pública discorda da solução encontrada pelo Ministério da Saúde, pelo que considera que a Portaria em apreço deve ser revogada.
Finalmente, somos de opinião que uma solução para esta matéria deve ser estudada e encontrada com a colaboração das entidades com conhecimentos e competência na área, designadamente a Ordem dos Médicos.
Pela Direcção do Colégio da Especialidade de Saúde Pública
Pedro Serrano
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Parecer_juridico_portaria_11214