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Obesidade e doença renal crónica – vale a pena (re)pensar

Autor: Luís Belo, Professor Auxiliar da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, Médico

 

 

A obesidade e a doença renal crónica (DRC) são duas epidemias do século XXI, constituindo importantes problemas de saúde pública. Ambas são responsáveis por morbimortalidade elevada, por custos económicos substanciais inerentes ao seu tratamento e por perda de qualidade de vida. De realçar  que o Dia Mundial do Rim, que se assinala na segunda quinta-feira de março de cada ano, foi, em 2017, dedicado ao tema “Doença Renal e Obesidade – Um estilo de vida saudável para rins saudáveis”.

O aumento da obesidade primária (responsável por 95 a 97% dos casos de obesidade) está relacionado com o sedentarismo e maus hábitos alimentares das sociedades modernas, muito embora possa existir, em alguns casos, uma predisposição genética. Por sua vez, a prevalência crescente de DRC está intimamente relacionada não só com o incremento da longevidade, como também a fatores de risco de DRC como obesidade, hipertensão arterial e diabetes. Assim, se por um lado o envelhecimento ativo e saudável é uma conquista social e deve constituir um direito, também é verdade que o envelhecimento da população acarreta um aumento de patologias crónicas, com custos pessoais, sociais e económicos. Globalmente, hoje a população vive mais tempo mas com menos saúde. Numa época em que se tem apostado na prevenção e tratamento de patologias crónicas como hipertensão arterial e diabetes, importa refletir na forma como estes importantes fatores de risco de desenvolvimento e progressão de DRC (e não só) estão a ser efetivamente controlados.

A associação entre obesidade e DRC poderá parecer evidente para qualquer profissional de saúde. Mas não basta acreditar, é preciso provar. Para os mais céticos relativamente a este assunto, foi recentemente publicada uma meta-análise envolvendo 630.677 participantes onde se demonstrou que a obesidade é um fator preditivo para o desenvolvimento de DRC na população em geral (Garofalo et al. 2017). Nesta meta-análise, a obesidade associou-se a um risco aumentado de aparecimento de uma taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) baixa (risco relativo: 1,28; IC 95%: 1,07-1,54) e de albuminúria (risco relativo: 1,51; IC 95%: 1,36-1,67). Existem múltiplos mecanismos através do quais a obesidade se associa a DRC, englobando a perturbação de mecanismos reguladores do fluxo sanguíneo renal e o envolvimento de determinadas adipocinas na lesão (direta ou indirecta) do rim, até à expressão de comorbilidades da obesidade, entre elas diabetes e hipertensão arterial.

O aumento da prevalência da obesidade tem atingido de forma transversal todos os grupos etários, existindo, todavia, um aumento preocupante em idade pediátrica. O “Estudo do Padrão Alimentar e de Crescimento na Infância” (EPACI Portugal 2012), estudo representativo nacional que envolveu 2.232 crianças (12 – 36 meses), revelou prevalências de sobrepeso e obesidade de 24,9% e 6,5%, respetivamente, tendo o conjunto (sobrepeso mais obesidade) apresentado o valor de 31,4% (Rêgo et. al 2013). Embora existam dados controversos na avaliação da função renal em doentes obesos em idade pediátrica, importa referir o trabalho de investigação realizado em Portugal por Correia-Costa et al. (2015), o qual foi reconhecido com a atribuição do “Prémio Banco Carregosa/SRNOM”, em 2016. Este trabalho revelou que crianças pré-puberes com sobrepeso ou obesidade, apresentam já uma redução da TFGe em comparação com crianças normoponderais, embora os valores de TFGe se encontrassem ainda dentro dos limites da normalidade.

Uma criança obesa apresenta uma forte estabilidade da sua doença para a idade adulta. Para além disso, muitas das comorbilidades caracteristicamente associadas à obesidade do adulto, começam a ter a sua expressão já em idade pediátrica. Assim, importa educar para a saúde num contexto familiar, sensibilizando para a importância da adoção de estilos de vida saudáveis. Na realidade, a alimentação e o exercício físico constituem pedras basilares não apenas na prevenção da obesidade, mas também no seu tratamento. Num estudo envolvendo crianças e adolescentes portugueses, obesos ou com sobrepeso, onde foram oferecidas boas condições para a prática de desporto – de forma gratuita, no período pós-escolar e com supervisão de profissionais de saúde e do desporto – obteve-se um dropping out de 13% (Nascimento et al. 2016). Um aspeto importante a reter do estudo é que entre as razões do dropping out prevaleceram as limitações de tempo e a falta de motivação e de suporte parental. Importa refletir sobre estes pontos quando aplicados ao tratamento da obesidade. A responsabilização da família e a motivação do doente obeso, nomeadamente no que toca à escolha do desporto (exercício físico), devem ser realizadas com compromisso e cumplicidade mútuas, garantes do cumprimento da prática do mesmo. Se não houver prazer na prática de exercício físico por parte da criança/adolescente, a adesão ao tratamento estará, logo à partida, fortemente comprometida, sendo o envolvimento dos pais/cuidadores nesta tarefa de crucial importância. Estes não podem abdicar da sua responsabilidade em participar no tratamento. Na realidade, é amplamente reconhecida a influência parental na vertente comportamental. E para isso, tem de haver tempo para ensinar e acompanhar.

O aumento da prevalência da obesidade levanta desafios em relação à forma como esta doença deve ser abordada por diferentes profissionais de saúde, de forma a evitar morbimortalidade significativa. Vale a pena apostar na prevenção, mas também no tratamento, e começar cedo. Nesse sentido, e com o intuito de promover a consciencialização para esta problemática, valerá também a pena fazer uma referência ao 28º Congresso Anual do European Childhood Obesity Group (ECOG), que terá mais uma vez lugar na cidade do Porto, de 14 a 17 de novembro de 2018 (https://skyros-congressos.pt/ecog2018), onde várias temáticas da obesidade em idade pediátrica irão ser abordadas, incluindo as hidden comorbidities envolvendo o rim.

Bibliografia

Garofalo C, Borrelli S, Minutolo R, Chiodini P, De Nicola L, Conte G. A systematic review and meta-analysis suggests obesity predicts onset of chronic kidney disease in the general population. Kidney Int. 2017; 91:1224–35.

Rêgo C, Pinto E, Lopes C, Nazareth M, Graça P. Feeding and growth during the first years of life: EPACI Portugal 2012. In EPACI Oral Presentation; EPACI: Lisbon, Portugal, 2013.

Correia-Costa L, Afonso AC, Schaefer F, Guimarães JT, Bustorff M, Guerra A, Barros H, Azevedo A. Decreased renal function in overweight and obese prepubertal children. Pediatr Res 2015; 78:436–44.

Nascimento H, Alves AI, Medeiros AF, Coimbra S, Catarino C, Bronze-da-Rocha E, Costa E, Rocha-Pereira P, Silva G, Aires L, Seabra A, Mota J, Ferreira Mansilha H, Rêgo C, Santos-Silva A, Belo L. Impact of a school-based intervention protocol – ACORDA Project – on adipokines in an overweight and obese pediatric population. Pediatr Exerc Sci. 2016; 28:407–16.