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O envelhecimento e a reforma: a perspetiva do Médico de Família na transição

Autoras: Diana Matos, médica interna do 4º ano de Medicina Geral e Familiar na USF S. João de Braga, Braga

Raquel Abreu, médica interna do 4º ano de Medicina Geral e Familiar na USF Pró-saúde, Vila Verde

Diana Matos

Raquel Abreu

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Resumo: A evolução demográfica presente nas sociedades atuais está a tender para uma inversão da pirâmide etária com marcado envelhecimento da população. Esta realidade aliada ao aumento do número de anos de trabalho e da entrada na reforma em idades cada vez mais avançadas, coloca a temática do envelhecimento e a preparação para a reforma cada vez mais presente na prática do médico de família. A transição para a reforma engloba uma mudança de paradigma difícil desde o nível mais básico como a organização e planeamento dia-a-dia, até situações mais complexas como a mudança de papéis sociais ou gestão do tempo livre e redes interpessoais. Assim podemos dizer que a transição depende essencialmente de 3 áreas:

  • curso de vida do indivíduo (história pessoal, ocupações, rede social, educação, formação, motivações, condições de saúde, enquadramentos geracionais);
  • condições de transição da atividade para a inatividade (transição progressiva versus abrupta, utilidade e reconhecimento social, mudança dos papéis sociais, sustentabilidade financeira);
  • condições do indivíduo aquando o processo (saúde física, mental e emocional, autonomia e participação social).

A sensibilização do clínico poderá ser fundamental na avaliação, orientação e acompanhamento nesta fase.

Ageing and retirement: the perspective of the Family Doctor in transition

Abstract: Demographic trends present in contemporary societies is tending to an inversion of the age pyramid with marked aging of the population. This fact combined with the increasing number of years of work and entry into the retirement in increasingly advanced ages, places the aging theme and preparation for retirement, present in the family doctor’s practice. The transition to retirement involves a paradigm shift, difficult from the most basic level as well as organization and daily planning, to more complex situations like changing social roles or management of free time and interpersonal networks.

So we can say that the transition depends essentially on three areas:

  • Course of life of the individual (personal history, occupations, social networking, education, training, motivation, health, generational frameworks);
  • Transition conditions from activity to inactivity (progressive versus abrupt transition, utility and social recognition, changing social roles, financial sustainability);
  • The individual conditions during the course of the process (physical, mental and emotional autonomy and social participation).

The clinical awareness can be critical in the evaluation, guidance and counseling at this stage.

A evolução demográfica a que se tem assistido revela uma diminuição progressiva do número de nascimentos com aumento da esperança média de vida o que culmina numa inversão da pirâmide etária e consequente, envelhecimento da população.

O envelhecimento influencia não só a vertente biopsicossocial dos indivíduos assim como o seu desempenho profissional. A adaptação a estas mudanças é por vezes difícil pelo que pode condicionar a sua atividade e alterar a sua perspetiva da reforma. A Medicina Geral e Familiar é uma especialidade única na medida em que avalia os seus utentes em toda a sua dimensão, nomeadamente na avaliação e prevenção de acontecimentos adversos nas transições de vida.

A reforma caracteriza-se por um período de transição entre a atividade laboral com produtividade, remuneração e posição social e a situação de aposentadoria com suspensão das funções e sustento por pensão. Existem vários domínios que podem influenciar esta transição e que importam analisar nomeadamente: nível educacional/socioeconómico, suporte familiar e social, ocupação dos tempos livres, estado de saúde e condições laborais.

O nível de educação/formação de um indivíduo influenciará este processo na medida em que geralmente se associa a rendimentos mais elevados. Assim, funciona como efeito diferenciador na diversificação, extensão e intensidade das redes sociais seja pela capacidade financeira e/ou intelectual associada. O estatuto socioeconômico mais elevado poderá ainda diminuir a dependência financeira futura e portanto, levar a menor preocupação no futuro.

Quanto ao suporte familiar, é sabido que assim como as redes interpessoais, funcionam como fatores de proteção e de apoio. De destacar a família mais próxima, cônjuge e filhos, como proteção primordial. O processo de envelhecimento associa-se geralmente a mudanças profundas a este nível em que, com o crescimento e emancipação dos filhos, há uma transição de uma vida em família para uma vida em casal. Esta pode posteriormente culminar com a viuvez e a mudança de uma vida a só ou, em alguns casos de mudança para habitações de familiares, nomeadamente dos filhos.

A passagem para a reforma condiciona uma transição abrupta de uma atividade a tempo inteiro com responsabilidades, exigências e ocupação para um estado com demasiado tempo livre. Deste modo, pode levar a diminuição de contatos sociais e institucionais com risco de isolamento social, solidão e evolução para perturbações depressivas ou pelo lado positivo pode levar ao bem estar pela diminuição do stresse do dia a dia e de horários.

A ocupação dos tempos livres apresenta benefícios não só para o bem-estar e equilíbrio do idoso mas também como principais catalisadores e impulsionadores de redes sociais.

O estado de saúde dos indivíduos no processo da reforma pode também melhorar, principalmente nas situações em que a aproximação à reforma se caracteriza como um período de stress profissional e conflito laboral. Por outro lado, sabemos que o aumento progressivo da idade associa-se mais frequentemente ao risco de desenvolvimento de doenças e mais despesas/gastos em saúde (maior recurso às consultas, maior realização de exames complementares de diagnóstico e prescrição). Aqui deparamo-nos com outra vertente do envelhecimento populacional que é a sustentabilidade dos sistemas de saúde. A formação e a capacidade cognitiva também influenciam os cuidados, seja na gestão da doença ou medicação assim como no recurso aos cuidados de saúde. Indivíduos com múltiplas co-morbilidades e/ou limitações podem ver condicionadas as ocupações que podem realizar e afeção da sua autonomia com maior necessidade de suporte social e familiar.

A atividade laboral, idealmente, não deverá ser fonte de dano ao indivíduo mas sim de auto-satisfação e capaz de se adaptar aos condicionalismos da idade. Cada vez mais o período que antecede à reforma visa apenas a produtividade desadequando-se ao indivíduo sénior sem ajuste para as capacidades físicas e muitas vezes com níveis de exigência formativa e tecnológica elevados. Por outro lado observa-se a perspetiva da sociedade/órgãos do governo que, face à evolução demográfica e, de forma a preservar a sustentabilidade financeira e da segurança social, promovem o alongamento das carreiras contributivas com eliminação dos incentivos à reforma antecipada. O processo de envelhecimento biológico é um processo contínuo (e não abrupto). Do mesmo modo, a transição para a reforma seria mais saudável se progredisse para uma redução gradual do trabalho, adaptada aos condicionalismos da idade e permitindo ao indivíduo uma mais fácil gestão tanto na ocupação dos tempos livres como gestão financeira e de redes interpessoais. Infelizmente, a realidade portuguesa apresenta-se afastada desta conceptualidade verificando-se esta transição mais frequentemente apenas nos níveis socioeconómicos mais elevados.

Assim, todos estes domínios deverão ser analisados e orientados de forma a prevenirmos doença e promovermos um envelhecimento ativo. Este, define-se segundo a Organização Mundial de Saúde como “otimização das possibilidades de saúde, de participação e de segurança, a fim de aumentar a qualidade de vida durante a velhice”.

Mas será que o estamos atentos a esta passagem para a reforma? E apoiamos os nossos utentes da melhor maneira? E a comunidade está adaptada para esta população envelhecida mas ativa?

É importante refletir sobre o envelhecimento, pois é universal mas não deixa de ser individual, uma vez que são inúmeras as formas de lidar com ele.

Bibliografia:

I-Ribas MJ. 2000. Saúde do Idoso. In Manual de Medicina Geral e Familiar 2000. Disponível em: http://www.mgfamiliar.net/MMGF/indices/ii_28_indice.html. Acesso a 10 de Janeiro de 2016.

II-Cabral MV, Ferreira PM, Silva PA, Jerónimo P, Marques T. Processos de Envelhecimento em Portugal: Usos do tempo, redes sociais e condições de vida. 2013.