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Multidão e pandemia – como é possível terem tido consentimento para tamanha aglomeração?

Autor: Pedro de Moura Reis, Médico; Secretário-Geral da Sociedade Portuguesa de Geriatria e Gerontologia
Eu vivo em frente ao jardim do Campo Grande entre Entrecampos e a Av. da Igreja. Quando às 17h saí para fazer o jogging diário, ou as caminhadas habituais e diárias, deparei me com muitos grupos de malta jovem, quer no jardim, quer nas imediações, como nas esplanadas, por exemplo a da antiquíssima pastelaria Tatu, e outras de 3 ou 4 cafés da zona. Pensei que estariam a aguardar pela hora da transmissão do jogo pela TV nas esplanadas. E nunca me ocorreu que houvesse acesso sequer ao estádio de Alvalade, nem às imediações que deveriam ter, pensei eu, uma grande área vedada em torno do estádio e policiamento a impedir concentrações.  Qual o quê?! Quando pelas 19h ligo a televisão e vejo a multidão entre o final do Campo Grande e o Lumiar, fiquei mesmo estarrecido, abismado! E começou a crescer em mim uma indignação, não pela malta jovem pois confesso que o sentimento relativo a eles foi de espanto, como é possível terem tido a liberdade, o consentimento para tamanha aglomeração? A indignação que imediatamente senti e se foi avolumando no meu pensamento foi contra as autoridades de Saúde, a DGS e contra o Ministro da Administração Interna, e só depois contra a permissividade, a passividade da polícia pois se não agiam é porque tinham recebido ordens das chefias e estas, do ministro, para não impedirem qualquer concentração de pessoas. E o que foi acontecendo foi o juntarem se milhares de pessoas uns com máscara outros sem, e obviamente sem o distanciamento regulado e que é requerido na pandemia. E “desatei” quase compulsivamente a escrever o que sentia, e telefonando a 2 ou 3 pessoas, médicos como eu, interrogando-me como era possível que esta imensa concentração de pessoas acontecesse no meio de uma pandemia cujo índice de transmissão é ainda praticamente de 1, isto é, 100 pessoas infectadas infectam outras 100, 1 000 outras mil e por aí adiante, numa multidão que deverá ter reunido entre 30 000 a 50 000 pessoas, não sei ao certo, e alguém saberá? Não tardou a haver confrontos na multidão, entre pessoas quase todas jovens e a polícia com o arremesso de pedradas, petardos e garrafas e tiros de balas de borracha ripostados pela polícia em fraco número, comparativamente, por altura do início do jogo. E os confrontos continuaram quer na zona de Alvalade, quer mais tarde no Marquês de Pombal. Inimaginável. Inacreditável. Impensável num país que tivesse verdadeiras autoridades, verdadeiro planeamento, verdadeira protecção civil e sanitária.  E não temos isso aqui em Portugal, definitivamente estamos já plenamente convictos de que não temos isso neste país. Ficou demonstrada a fraqueza do Estado, a demissão das autoridades, a ausência completa de escrúpulos, de vergonha pela imensa incapacidade de governarem e de protegerem adequadamente o povo deste país. São um bando, desculpem a linguagem corrente de desagrado, sim um bando de incapazes, como se tem visto recentemente com os problemas em Odemira, com o SEF no aeroporto de Lisboa e o assassinato do ucraniano, com as infecções covid no Natal, com as mortes por covid nos lares de idosos em aumento em roda livre desde o verão em Reguengos até aos milhares de mortos mensais em Dezembro, Janeiro e Fevereiro, pela demissão do Governo em ter um plano posto em prática para as medidas que se impunham em todo o período de Dezembro incluídos Natal e Ano Novo por igual, como, ao contrário sucedia em vários países da UE, como na Alemanha, entre muitos outros.
Foi ontem mais um, mas mais um Grande Escândalo!
Como sempre, o PM e o PR serão obrigados pelas circunstâncias a não ficarem calados, mas proferindo tão só a frase do costume: Apurem-se as responsabilidades! Investigue-se o que se tiver de investigar. E entregue- se ao Ministério Público o que for encontrado. Ponto final.
Será isto, uma vez mais que acontecerá e nada mais.
Não sei se sabem, mas na Holanda desde Fevereiro deste ano que o governo e associações da sociedade, promovem concentrações de pessoas todas testadas para a covid e registadas para controlo e futuro tracking, em eventos vários e com crescente lotação desde algumas centenas a alguns mas poucos milhares, mais recentemente, tanto quanto sei pela minha mulher que segue de aqui de Lisboa os media holandeses, do seu país, todos os eventos correram sem contágios. Mas note-se: as pessoas entram nos eventos, mesmo numerosos, mas todas com teste negativo, e são todas previamente registadas para controlo e futuras medidas sanitárias, se necessárias, adquirindo assim as autoridades holandesas uma “experiência de campo” e uma base de dados notáveis. Há alguma comparação entre as práticas das autoridades holandesas e as das portuguesas? Qual? Pois é. Cada povo tem os resultados que merece, fruto do rigor, da consciência social, da qualidade das suas práticas e do nível, alto ou baixo, das suas exigências e do seu comportamento em sociedade. Nada acontece de bom numa comunidade apenas pelo acaso.
Outra pergunta que pode ser colocada é: terá sido toda esta permissividade de ajuntamentos, uma “estratégia” do presidente da CML, Fernando Medina, que  para não descontentar os jovens e adeptos  do futebol da cidade de Lisboa palco desta final, e captar a simpatia e os  votos de um grande número de eleitores  desta capital nas próximas eleições autárquicas , tenha  manipulado e  influenciado  pessoas na  DGS, fazendo o mesmo com o Ministro da Administração Interna,  para deixar  sem entraves os festejos ? Com a facilidade de influenciar pessoas do mesmo partido socialista, não parecerá a ninguém ter sido impossível. Não terá sido então toda esta ausência de obstáculos à circulação nas ruas, ou num perímetro muito alargado na larga periferia do estádio do Sporting, uma pura inércia e uma deserção da Proteção Civil em fazer o que lhe competiria em plena Pandemia. Terá sido sim uma deserção taticista, doa a quem doer, infecte-se quem se infectar, morra de covid quem morrer. Terá sido assim, ou também assim, mas será que o cidadão nunca o saberá? Dificilmente estas pessoas em altos cargos  confessarão, e se algum dia forem desmascaradas jamais se assumirão , como tem sido hábito nos últimos 6 anos, encontrando, se for preciso, algum bode expiatório de menor importância política ou partidária. Mas, actualmente, já não enganarão todos os portugueses, pois fruto de tantos enganos e simulações as pessoas estão mais atentas, já há menos cegos por aqui.
Mesmo que possa ter sido assim, teria sido uma pérfida acção de Fernando Medina mas ainda assim não se sobreporia ou ainda menos, não anularia a escandalosa demissão da DGS, que não produziu normas de regulamentação para a população coordenadas com normas rigorosas para o impedimento de aglomerações, provenientes do Ministro Cabrita, da Administração Interna. A DGS limitou-se a proferir as recomendações básicas, apelar à responsabilidade, e o Ministro da Administração Interna, através dos comunicados da polícia comunicava para que as pessoas celebrassem das janelas e varandas. Encantadora e ternurenta DGS! Pressurosa e paternal Administração Interna! E o Presidente da República limitou-se a aconselhar: Tenham bom senso, Portugueses! Que amor desvelado de um simpático avôzinho. Vimos e ouvimos tudo isto ontem pelas TVs, pelos rodapés informativos, um desvelo, um cuidado, um nobre apelo a todos os portugueses. Onde já vimos e ouvimos isto?  Em dezembro de 2020 não foi? Nessa data também houve um desvelo, uma ternura, quer do Primeiro-ministro, quer da DGS para que ninguém do Governo, da DGS ou da Protecção Civil (Ministério do Interior) ousasse estragar o Natal, mesmo durante uma terrível pandemia, a mesma de agora, aos cidadãos tão cansados de viverem em pandemia. E os resultados 2 a 3 semanas depois? Quantos milhares, sim milhares, de mortos por covid em Janeiro e Fevereiro, quantas centenas de milhares de infectados mais? Quase um milhar de internados por covid, agonizantes, em Cuidados Intensivo, milhares de doentes em enfermarias covid. Filas de ambulância paradas no perímetro dos hospitais durante várias horas com os doentes dentro, acamados, sem lugares nas enfermarias, nem nos serviços de observação (SO). E o Estado sem eira nem beira, sem previsão, sem acção prática todo o verão, quase  todo o outono, sendo alertado sucessivamente pelas Ordens dos profissionais de Saúde, pelas Misericórdias, pelas IPSS, pela hospitalização privada, pelos seus administradores hospitalares públicos e privados , pela Comissão Europeia , de que era preciso  passar à  prática,  pôr  gente a funcionar quer no público quer aceitar a ajuda, a complementaridade do privado, do sector social, todos fazendo parte do mesmo Sistema Nacional de Saúde,  e o Estado responde que está  a implementar, a estudar, a adjudicar, a preparar, a reinventar, em suma, a fazer nada, nada do que verdadeiramente lhe demonstravam ser urgente, médicos intensivistas nas TVs, epidemiologistas, matemáticos-estatísticos, enfermeiros-chefe  de urgências repletas de doentes nos corredores, ou à  entrada à espera de vagas noutros hospitais para serem transferidos, imagens e apelos televisivos dias a fio, em Penafiel, Tâmega e Sousa ,noutros locais também, a Ordem dos Médicos através do seu Bastonário em constantes apelos a que se faça, se execute, se socorra da ajuda dos privados, se acabe de vez com preconceitos ideológicos de esquerda e de extrema esquerda… A Alemanha expondo a sua prática de sucesso no combate à covid nesse mês de Dezembro, fazendo recomendações. E o Governo português orgulhosamente só, a reeinventar o SNS orgulhosamente só, sem privados, sem sector social, não era preciso. E quem falar mal da política de Saúde do Governo é um traidor disse António Costa referindo se ao deputado e médico Baptista Leite. E quem criticar o trabalho do Ministério da Saúde pratica uma infâmia ou algo parecido, vociferou na TV a Ministra Marta Temido. Por fim, pergunte se: é isto, é mais disto que queremos agora, e ainda em Pandemia? Ainda com apenas10% de pessoas totalmente vacinadas e outros 10% de casos de infecção registados nos 15 meses de pandemia. E 20% de pessoas ainda à espera da 2a dose da vacina, para uns dentro de dias ou ainda semanas, para outros ainda a terem de esperar por entre 1 mês a 2 ou 3 meses, consoante as diferentes vacinas administradas.
Exijamos das nossas autoridades de Saúde (DGS  e Ministério da Saúde), da Protecção Civil (Ministério do Interior), dos presidentes de Câmara, do Primeiro Ministro  e do próprio Presidente da República mais rigor nas medidas necessárias a pôr em acção  e maior  antecipação do seu anuncio, mais acção preventiva, maior protecção dos cidadãos e  menos apelos ao bom senso, pois toda a gente sabe que o bom senso é tomado e servido a bel prazer de cada um, na maioria das vezes, e em Pandemia seja Calamidade seja Emergência, o Estado não se pode demitir de pro-activamente proteger os cidadãos, e não deixá-los expandirem-se à  vontade ,em roda livre, em celebrações super emocionais como são  sempre as celebrações de finais e de vitórias no futebol E foi isto que aconteceu em Lisboa no dia 11 de Maio de 2021, com o país em Pandemia, a vislumbrar a hipótese do seu fim, mas ainda longe desse fim que será mais próximo ou mais longínquo dependendo de múltiplos factores: a manutenção rigorosa do distanciamento físico e do número  limitado de agrupamentos de pessoas que ainda persiste e tem de persistir com todo o rigor (foi tudo o que não  aconteceu no dia 11) o uso de máscaras em grupo (aconteceu ontem quando se as  usava ou não aconteceu quando se retirava ou quando nunca se usou, e foi o que se viu ontem) em aglomerações de dezenas,  centenas , todas juntas perfazendo 30 a 50 000 pessoas dispersas em 12 ou mais horas que durou a manifestação de futebol . Tudo isto a par de actividades e eventos proibidos, impedidos de se realizar, de toda a espécie de actividades como congressos, outras manifestações culturais, tradicionais, arte, ciências, musicais, outras desportivas, impedidas muitas delas há 15 meses, em ruína financeira, tantas sem apoio da Segurança Social.

Para onde caminhamos? Para uma 4a vaga? Muito. provavelmente sim. E a nova manifestação a chegar no calendário e a fazer chegar de novo mais outra possibilidade de fazer surgir a 4a vaga da pandemia, é no próximo dia 23 de Maio, na final da Taça de Portugal no Jamor, novamente no distrito de Lisboa, embora concelho de Oeiras. Os cidadãos que se interessam pela participação cívica, e pela realização de uma cidadania exigente e respeitadora da sua própria saúde e da dos outros, que fiquem atentos ao que se irá passar nos próximos dias, intervenham exigindo as melhores soluções e denunciando o laxismo e a demissão do Estado e do Governo na protecção da saúde e da segurança dos cidadãos.
13 de maio de 2021