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Médicos Internos de Ginecologia/Obstetrícia de todo o país escrevem à Ministra da Saúde

Exma. Senhora Ministra da Saúde Dra. Marta Temido,

Como é do conhecimento das entidades responsáveis pela gestão da saúde em Portugal, tem-se vindo a intensificar a carência de médicos de Ginecologia e Obstetrícia (GO) no SNS, tanto a nível da urgência externa hospitalar como na restante atividade assistencial. Tal situação acarreta inúmeros problemas no acesso da população aos serviços de saúde, que desta forma se encontra em risco.

Os médicos internos de GO fazem parte dos serviços e das equipas de urgência, e sem os quais as escalas não se encontrariam regularmente preenchidas.

De entre as funções que lhe estão acometidas, atendem utentes que aqui se dirigem por iniciativa própria ou referenciados por outros serviços ou centros de saúde. Em paralelo, realizam partos eutócicos, partos distócicos, cesarianas ou qualquer intervenção cirúrgica ginecológica.

Por via disso, efetuam inúmeras horas extra, tanto no serviço de urgência (remuneradas como horas suplementares), como na enfermaria, consulta e bloco operatório (não remuneradas e não contabilizadas).

Ainda é exigível no âmbito do internato de GO, a obrigatoriedade de formação contínua através da realização de cursos, congressos, projetos de investigação e formações pós-graduadas nacionais e internacionais. Atividades realizadas, necessariamente, em horário pós-laboral não contempladas nas 40 horas semanais contratualizadas, ou em regime de comissão gratuita de serviço. Não estando, portanto, previsto apoio monetário ou horário para investigação/formação para os internos da especialidade.

Ademais, pelo trabalho clínico, estes médicos auferem uma remuneração líquida entre 8,02€/h e 8,35€/h (entre 1283 e 1336€/mês com semana de 40 horas) durante os primeiros seis anos em que trabalham para o SNS.

A baixa remuneração auferida pelos respetivos médicos trata-se de uma falta de reconhecimento pela diferenciação e responsabilidade que o médico interno detém. Torna também difícil o investimento na sua formação contínua, que se não for cumprida, diminui a qualidade dos cuidados médicos até então bastante prestigiada do nosso país.

Salienta-se ainda o facto da carreira médica, bem como, a remuneração dos médicos a realizar o internato médico, não ser revista há vários anos.

Assiste-se, por força das carreiras médicas hospitalares não atrativas (pelas questões remuneratórias, mas não só), à saída dos colegas mais diferenciados e experientes do SNS, deixando os serviços de saúde depauperados e sobrecarregando os profissionais que se mantêm a exercer as suas funções. Mais se acrescenta, que no atual quadro médico mais de 40% dos efetivos têm mais de 50 anos, podendo deste modo, a qualquer altura, exercer o seu direito de não realizar urgência noturna, agravando ainda mais o cenário que se vive atualmente.

Até ao presente, não foram ainda instituídas as medidas necessárias para travar esta espiral que se agrava todos os dias. Os atuais internos dificilmente conseguem perspectivar a sua futura carreira no SNS, comprometendo assim, seriamente, a qualidade e continuidade do serviço público.

Apesar deste manifesto refletir a preocupação de médicos internos de GO, sabemos que as mesmas dificuldades são também sentidas pelos internos de outras especialidades médicas e cirúrgicas.

Face ao exposto, e apesar de no recente e aprovado Decreto-Lei n.º 50-A/2022, de 25 de julho, os internos serem contemplados, consideramos que a remuneração proposta apenas para o trabalho suplementar não se coaduna com o nível de diferenciação e responsabilidade que o médico interno detém, como anteriormente referido. Impõe-se, portanto, a reforma das carreiras médicas, uma vez que o recurso ao trabalho suplementar é uma constante nos serviços de saúde públicos, o que manifestamente diminui a qualidade da prestação de cuidados.

Finalmente, tendo em conta as exigências laborais, a formação dos médicos internos encontra-se comprometida, uma vez que estes constantemente asseguram as escalas de urgência.

Por considerarmos que as medidas até hoje aprovadas são insuficientes para a resolução das dificuldades sentidas diariamente na prestação de cuidados, vimos por este meio e de modo coletivo informar que:

– Entregamos a nível individual e junto das respetivas administrações hospitalares, a minuta de recusa de realização de mais de 150 horas extra/ano em conformidade com o disposto no n.o 2 do art. 38.º do Regulamento do Internato Médico, aprovado pela Portaria n.º 79/2018, de 16 de março e/ou

– Entregamos a nível individual e junto das respetivas administrações hospitalares, a minuta de recusa de realização de mais de 12 horas, a título de trabalho suplementar, a cumprir num único período, em cada semana de trabalho, em conformidade com o disposto nos n.os 5 e 6 do art. 13.º do Regime Jurídico do Internato Médico, definido pelo Decreto-Lei n.º 13/2018, de 26 de fevereiro;

– Entregaremos, também, minutas de escusa de responsabilidade sempre que estivermos destacados para trabalho em urgência e as escalas de urgência não estiverem de acordo com Regulamento n.º 915/2021 de 15.10.2021.

Por fim, salientamos que como internos, o que desejamos é, não mais, do que prestar cuidados de qualidade aos nossos utentes, garantindo-se sempre as boas práticas e segurança.

Pedimos a vossa compreensão e apoio na nossa ação por um melhor reconhecimento do nosso trabalho.

Cumprimentos,

Médicos de Formação Específica em Ginecologia e Obstetrícia