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Mass media: adversário ou aliado na literacia em saúde

Autor: Cátia Teixeira Rodrigues, Médica Interna de Formação Específica de Medicina Geral e Familiar, USF Physis (ACeS Alto Ave)

 

Resumo: A literacia em saúde é um processo dinâmico da responsabilidade de vários sectores. É inegável que os mass media são importantes veículos de literacia em saúde, cuja influência pode ser tanto benigna quanto maligna. Mass media: adversário ou aliado é um artigo de opinião em que se reflete sobre o papel dos mass media na literacia em saúde.

 

A literacia em saúde refere-se ao processo de obter, processar e compreender informações e serviços básicos de saúde. Refere-se à capacidade para procurar informação, tomar decisões fundamentadas e assumir a responsabilidade em saúde no decurso do seu dia-a-dia e da sua vida. A literacia em saúde é um processo dinâmico da responsabilidade de vários sectores: sistema de saúde, o sistema de educação e os fatores sociais e culturais familiares, laborais, comunitários. Os profissionais de saúde são agentes fundamentais de literacia em saúde, pelo em cada contacto com o utente/doente o médico tem a oportunidade de contribuir para a literacia em saúde da pessoa, sabendo que esta pode variar no mesmo indivíduo e pode mudar ao longo do tempo.

É inegável que os mass media são importantes veículos de literacia em saúde. Com um espectro de ação ilimitado, estão facilmente acessíveis e disponíveis à distância de um “click” e de um modo apelativo, atingem grandes grupos de população num curto espaço de tempo. A título de exemplo, as campanhas dos mass media sobre comportamentos de risco como o uso de tabaco e álcool e de ações como a doação de sangue, ou da prevenção de doenças sexualmente transmissíveis com o uso do preservativo, têm mostrado ao longo dos anos produzir mudanças positivas em grandes populações. Mas a influência dos mass media pode ser tanto benigna quanto maligna. Já todos nos deparamos no nosso dia-a-dia, como recetores da comunicação destes agentes, informações de saúde menos credíveis e outras tantas com erros substanciais. E como médicos, aquando a consulta, quantas e quantas vezes, não nos trazem uma lista de notícias infundadas colhidas aqui e ali, em jornais, programas televisivos ou em janelas pop up de internet, ou ainda rótulos de diagnóstico baseado em duas ou três palavras colocadas nos motores de busca generalistas. Mais, os inúmeros blogs e grupos “facebookianos” e de outras plataformas, de grávidas, de recém-pais, ou de doentes crónicos, que para além de partilhar experiências, divulgam também conhecimentos “salutares“. E muito há por dizer sobre o importante impacto que os mass media têm na vida das pessoas e da forma como podem contribuir nefastamente para a sua literacia em saúde. Mas qual deve ser a atitude de nós médicos perante o iminente poder destes agentes? Negação, desvalorização, confrontação são algumas das atitudes possíveis. Contudo direi que é impossível tentar lutar contra este gigante, que de forma simples e inteligível, torna a informação em saúde fácil e agradável de se entender, e que sobretudo funciona em regime de serviço de urgência, 24 sobre 24 horas, 365 dias no ano.

É essencial o médico reconhecer o papel crucial dos mass media e educar as pessoas a processar a informação obtida. Na generalidade, as pessoas não possuem o conhecimento e habilidades para avaliar a integridade das informações sobre saúde, a maioria das quais não regulamentadas e com qualidade dúbia. Cabe ao médico informar as pessoas sobre a qualidade da informação em saúde e sobre as entidades e instituições de saúde que oferecem credibilidade científica, como a Direção Geral de Saúde. Juntamente com a pessoa, pode ainda refletir-se sobre o uso inconsistente e inapropriado da terminologia como “baseada em evidências” e “clinicamente comprovada” e aconselhar algumas plataformas de mass media com informação de saúde de qualidade acessível e compreensível.

Mass media: adversário ou aliado? Nunca será um adversário porque seria um confronto à partida perdido. Assim, o melhor é reconhecer o seu poder em literacia em saúde e fazer dele um aliado. Cada vez mais os médicos têm a possibilidade de informar e educar em saúde através dos diferentes meios de mass media. Na minha experiência pessoal, destaco a utilização de fontes de informação tradicionais com a participação no programa de rádio local, bem como a colaboração no site e no facebook institucional como instrumentos de literacia em saúde. Investir em literacia é investir em saúde. O investimento é ilimitado dada a disponibilidade e abrangência dos mass media. Importa agora desafiar os profissionais a colaborar, cooperar e integrar as diferentes plataformas e canais de comunicação para dar qualidade à extrema acessibilidade da literacia em saúde.

 

Referências bibliográficas:

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