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De luto pelo SNS e em luta pela MGF

Naquele que foi um protesto “inédito”, cerca de duas centenas de médicos de família manifestaram-se à frente do Ministério da Saúde, no dia 16 de julho, contra a medida do Governo que admite a contratação de médicos sem especialidade para desempenhar funções específicas da especialidade de Medicina Geral e Familiar, ficando responsáveis por uma lista de utentes no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Os médicos de família responderam ao apelo da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) e juntaram-se à porta do Ministério da Saúde numa “censura à tutela por uma estratégia que apenas defrauda as expectativas de muitos portugueses”, ao simular que lhes está a ser atribuído um médico de família.

O protesto foi organizado pela Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, mas teve o apoio da Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar (USF-AN) e a presença de representantes da Ordem dos Médicos (o bastonário, Miguel Guimarães, o presidente do Colégio da Especialidade, Paulo Santos, Carlos Cortes, presidente do Conselho Regional do Centro e Alexandre Valentim Lourenço, presidente da Conselho Regional do Sul) e de várias associações e sindicatos médicos, além da líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins.

A razão desta manifestação de desagrado foi a publicação no Orçamento do Estado para 2022 da possibilidade de contratação de médicos habilitados ao exercício autónomo da profissão mas sem especialidade, para assumirem listas de utentes. Presente na manifestação, o bastonário da Ordem dos Médicos afirmou que essa possibilidade é “totalmente inaceitável”, exigindo melhores condições para fixar os especialistas no SNS. Aos jornalistas disse ainda que não é por falta de propostas da OM e das restantes estruturas representativas dos médicos que estamos nesta situação e recordou que se formam mais de 500 especialistas em MGF por ano. Além de que, fora do SNS, há cerca de 1700 médicos com esta especialidade, sendo que bastavam mais 700 especialistas para que todos os portugueses tivessem direito ao seu médico de família. “Existem várias alternativas sem desvirtuar 40 anos de evolução da medicina”, frisou. Nas posições transmitidas aos jornalistas, durante a concentração junto ao Ministério da Saúde, Miguel Guimarães deu exemplos de medidas que resolveriam esta situação: “criar condições objetivas para que os jovens especialistas optem por escolher o SNS em vez de irem para o privado ou para o estrangeiro”, disse,  recordando que “no último concurso, mais uma vez, cerca de 40% das vagas ficaram por ocupar”; “É preciso estimular a grande reforma que foi feita nos Cuidados de Saúde Primários há uns anos atrás”. Neste ponto, Miguel Guimarães reforçou que esse estímulo passa pela “criação de mais unidades modelo B”, mas também pela melhoria das condições de trabalho nas UCSPs.

Por último, o bastonário referiu que, se mesmo assim ainda for necessário reforço de recursos humanos, o Estado pode optar pelas USF modelo C que na prática correspondem à contratação de especialistas em Medicina Geral e Familiar do setor privado para gerirem listas de utentes. A par da natural preocupação com a qualidade da medicina, Miguel Guimarães realçou a sua preocupação com os doentes: “esta situação é totalmente inaceitável, mas estou aqui, sobretudo, para apoiar os doentes. Os cidadãos, os utentes, não merecem que o Ministério da Saúde lhes indique o caminho de um médico sem especialidade, quando existem médicos com especialidade em Portugal”.

Aos colegas que se manifestavam, Miguel Guimarães fez um breve discurso em que defendeu a qualidade da medicina e o respeito pela especialidade e lamentou as recentes declarações do secretário de Estado da Saúde, Lacerda Sales, sobre uma suposta existência em Portugal de “médicos de família sem especialidade”, uma afirmação que demonstra desconhecimento do que é a excelência formativa de um médico de família.

O presidente da APMGF, Nuno Jacinto, pouco depois de ter discursado aos manifestantes, foi recebido por Marta Temido, reunião em que a detentora da pasta da saúde deu conhecimento do esclarecimento feito pelo presidente da ACSS em resposta direta às pretensões da APMGF e que esclarecem que aos médicos não especialistas contratados nos termos do artigo 206º da Lei do Orçamento de Estado 2022 não poderá ser atribuída uma lista de utentes. Um esclarecimento que a AMPGF considera que “peca por escasso” e que “não responde à totalidade das questões” mas que, mesmo assim, poderá ser um sinal positivo pois  “representa uma conquista no sentido de garantir que apenas especialistas em Medicina Geral e Familiar terão a seu cargo a responsabilidade de acompanhar uma lista de utentes”.