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Colecistectomia Laparoscópica: Experiência de 25 anos

Autor: Paulo Costa Correia, Assistente Graduado Sénior de Cirurgia Geral da Unidade Local de Saúde da Guarda / Prof.    Auxiliar Convidado da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior

 

Resumo: O autor descreve o percurso do Serviço de Cirurgia do HSM//ULS-Guarda ao longo de 25 anos, desde o início da primeira colecistectomia laparoscópica (Abril de 1995) até aos dias de hoje.

 

Em 1994  F. Castro e Sousa, Professor Catedrático de Cirurgia da Universidade de Coimbra referindo-se a laparoscopia num dos seus primeiros cursos sobre o tema, na Sociedade Portuguesa de Cirurgia diria: “a chamada revolução condicionada pela vertiginosa implantação da cirurgia laparoscópica, condicionou entre os cirurgiões, um  enorme entusiasmo,  mas também, duvidas, receios e apreensão, para já não falar  de aproveitamento e especulações mediáticas destituídas de qualquer legitimidade ética e de uma saudável preocupação com as dificuldades de formação nesta área da cirurgia”(1). Tudo isto se ultrapassou, iniciando-se nas principais escolas do país, Cursos de Pós-Graduação em Laparoscopia, dirigidos a cirurgiões, de forma, a que se que veio a banalizar este tipo de cirurgia pelo país durante a década de 90.

Entre os mesmos, foram levados a prática, Cursos de Pós-Graduação sucessivamente em Coimbra (Julho 1994), Porto (Novembro de (1994) e Lisboa (Janeiro de 1995).

Nos Hospitais Distritais, queremos deixar uma nota de gratidão para o Serviço de Cirurgia do Centro Hospitalar das Caldas da Rainha (Dr. Pedro Coito), que desde cedo acompanhou os principais Centros do país em laparoscopia e onde estagiamos durante três meses, depois de adquirirmos algum treino, em modelos inanimados (Endotrainer) e animados (Colecistectomia laparoscópica no porco), nesses Cursos.

A segunda nota, vai para um agradecimento a título póstumo, para o meu Ex-Diretor de Serviço no Hospital Sousa Martins Dr. Pedro Albuquerque, pelas condições que nos proporcionou, para que nessa mesma altura, conseguíssemos implementar a técnica, na cidade da Guarda, durante o ano de 1995, nomeando-nos responsável dentro do serviço pela mesma.

Um agradecimento, também ao Serviço de Cirurgia II do Hospital de S. João (Prof. Dr. Araújo Teixeira) e ao  Hospital Curry Cabral, na pessoa do Dr. José Maria Correia Neves onde iniciámos a nossa formação em modelos inanimados (Endotrainer), passando  depois, para uma  fase de treino no animal (colecistectomia no porco), para chegarmos, finalmente  à fase da nossa experiência clínica, no Centro  Hospitalar das Caldas da Rainha, como 2º cirurgião em colecistectomias laparoscópicas.

Realizámos, a primeira colecistectomia laparoscópica, na cidade da Guarda, no Serviço de Cirurgia do Hospital Sousa Martins em 3 de Abril de 1995 (nesse mesmo ano, e a partir dessa data, em 9 meses, realizaram-se no Serviço 27 colecistectomias laparoscópicas).

Foi um longo caminho, iniciado em 1995 que abraçamos com extrema dedicação, muitas vezes em regime de voluntariado, deixando tantas outra coisas para trás, mas hoje, 25 anos depois, apesar de tantas contrariedades dizemos: Valeu o esforço, pois os resultados falam por si!

Em 2006, como Diretor de Serviço, viríamos a criar uma Unidade de Vídeo-Cirurgia, e com a mesma, levar a técnica a outras patologias cirúrgicas, organizando cursos e congressos, de que é exemplo o Iº Congresso de Obesidade do HSM (2005) e o IIº Congresso de Obesidade e Iª Jornadas de Laparoscopia do HSM (2007).

Recordo a 1ª colecistectomia laparoscópica, desse Abril de 1995, que realizámos e que durou pouco mais de uma hora, encontrando-se o doente bem, no dia seguinte e tendo alta dois dias depois.

Em 1998 o nosso Hospital acompanhou os Centros Hospitalares de referência no nosso país, na devida proporção, em relação ao número de doentes operados, tendo nós publicado os nossos primeiros resultados na Separata Científica do Centro Hospitalar de Coimbra (2). Este artigo de revisão relata as “Primeiras 200 Colecistectomias Laparoscópicas” operadas no Serviço entre 1995 e 1998 e teve como objetivo, verificar e aferir a qualidade daquilo que fomos realizando nessa altura. Nesta série contamos: 5% de incidentes per-operatórios (perda de cálculos, perfurações de ansa do intestino delgado e hemorragias do leito vesicular), uma morbilidade major de 4,5%, mortalidade de 0% e o índice de conversão foi de 8%. Nestes 200 pacientes, 21,5% tinham cicatrizes cirúrgicas anteriores e 9,5 % eram colecistites agudas, sendo 91% de pacientes do género feminino e a média de idades foi de 62,8 anos. Não houve lesões de VBP (a lesão clássica da colecistectomia laparoscópica).

Uma serie do Hospital de S. Maria (Lisboa) de 300 colecistectomias laparoscópicas entre 1991 e 1993, publicada nas monografias da SPC em 1995 relatava: 6,6% de incidentes per-operatórios, uma morbilidade geral de 9,3% (morbilidade major de 1,6%), mortalidade de 0% e um índice de conversão de 3,3%. Nestes 300 pacientes 24% tinham cicatrizes cirúrgicas anteriores e 5,6% eram portadores de colecistite aguda, sendo 76% do género feminino, verificando-se uma média de idades de 49,75 anos. Não houve lesões da VBP (3).

Outra serie do Hospital Universitário de Coimbra de 360 colecistectomias laparoscópicas efetuadas entre 1991 e 1994 relatou 6,7% de acidentes per-operatórios, uma morbilidade de 7% (morbilidade major:1,38%), mortalidade de 0% e o índice de conversão foi de 5,3%. Nestes 360 pacientes, 30% tinham cicatrizes cirúrgicas anteriores e 10 % eram colecistites agudas, sendo 72,5 % do género feminino, registando-se uma idade média de 52 anos. Houve uma Lesão da VBP (Estenose da VBP junto a confluência do canal cístico com o canal colédoco, provavelmente provocada por electrocoagulação e foi diagnosticada uns meses depois e resolvida com uma Hepático Jejunostomia em Y de Roux com ansa de 80 cm (4).

Em Fevereiro de 2000 nos Arquivos Portugueses de Cirurgia Vol. 9 nº1 o Prof. Dr. H. Bicha Castela e outros, publicaram os resultados da prática da colecistectomia laparoscópica no nosso país, tendo sido inquiridos, todos os Serviços de Cirurgia. Nessa mesma publicação responderam 55 Serviços, dos 97 inquiridos, pertencendo 21 serviços a Hospitais Centrais e 34 a Hospitais Distritais. A percentagem de adesão ao para o estudo foi de 75% para os Hospitais Centrais e de 49,28% para os Hospitais Distritais.

Nesse trabalho, foi possível avaliar retrospetivamente, a eficiência da experiência portuguesa da colecistectomia laparoscópica, comparando-a com os resultados europeus e americanos.

Foi valorizada em termos de indicação, morbi-mortalidade e índice de conversão, comparando-a, com a colecistectomia clássica e com dissemos com duas grandes séries de colecistectomias laparoscópicas, elas também, multicêntricas e retrospetivas (Série Europeia e Americana).

Nessa publicação, os autores concluíram que todos os estudos apontaram que a colecistectomia laparoscópica é superior a colecistectomia clássica e que apesar da diferença temporal nos períodos analisados (pois no Estrangeiro começaram mais cedo com o método laparoscópico), os resultados “traduziram de uma forma lúcida e inteligente, como nós, portugueses, soubemos aprender com a experiência alheia” (3).

Em 2002 servindo-nos desse estudo comparámos o “estado da arte “da colecistectomia laparoscópica no nosso Hospital com os restantes Hospitais do país, que praticavam o método e com a experiência no resto da Europa e com os Hospitais Americanos.

Registávamos 400 Colecistectomias Laparoscópicas efetuadas entre Abril de 1995 e Abril de 2002 tendo o estudo sido publicado na Revista da Sociedade Portuguesa de Cirurgia em Novembro de 2002. (5).

Com base nos objetivos definidos concluímos que os nossos resultados acompanhavam os seus congéneres a nível Nacional e do Estrangeiro. Nesta série, verificámos uma morbilidade major de 2,5%, mortalidade de 0% e o índice de conversão foi de 6,75%. Nestes 400 pacientes a percentagem de colecistites agudas foi de 15,5%. Ocorreram dois casos de lesão da VBP (0,5%).

Estas duas situações estão publicadas na “Revista Amato Lusitano”(6), sendo solucionadas, uma com uma ansa de jejuno em Y de Roux com colocação de tubo em T dentro do Canal Hepático e outra com uma Hepaticojejunostomia em Y de Roux com colocação de uma sonda trans-jejunal que é trazida ao  exterior, através do exterior cego do jejuno.

Uma destas lesões foi apresentada no Curso de Gestão e Direção em Saúde (2019/2020) e publicada no site da Tribuna da Ordem dos Médicos com o tema ”Responsabilidade Médica” (7,8).

Em 2004 no VI Congresso Médico dos Hospitais Distritais (Tróia) esta série de 400 colecistectomias laparoscópicas foi apresentada, com o tema: “Colecistectomia Laparoscópica – Revisão de 400 Casos Clínicos”(9).

Em finais de 2007 (Abril de 1995 – Dezembro de 2007) estavam operados com esta técnica 1160 pacientes com uma média de idades de 55 anos, onde 12,9% foram colecistites agudas, registando-se uma morbilidade major de 2,3%, mortalidade de 0 % e um índice de conversão de 7,1%. Ocorreram 7 casos de lesões da VBP (0,69%) em 13 anos de experiência com a técnica (10).

Entre Abril de 1995 e 31 de Dezembro de 2018 foram realizadas 2620 colecistectomias laparoscópicas, onde 18% foram colecistites agudas ocorrendo uma morbilidade major de 2%, uma mortalidade de 0% e um índice de conversão de 8,7%. A percentagem de lesões da VBP é de 0,68% (11).

Está aceite para apresentação no Congresso da Sociedade Portuguesa de Cirurgia em 2020, a apresentação, sob forma de poster, das ”Lesões Iatrogénicas da Via Biliar Principal na Colecistectomia Laparoscópica – Classificação e Tratamento” baseado na casuística anterior” (12).

No ano de 2019, realizaram-se 150 colecistectomias laparoscópicas (13,3% em colecistites agudas) registando-se 1 lesão da via biliar principal (0,66%) e o índice de conversão foi de 6%.

Entre 3 de Abril de 1995 (data de inicio da técnica) até 31 de Dezembro de 2019, isto é, em 25 anos registámos 2770 colecistectomias laparoscópicas (17,9% de colecistites agudas), ocorrendo uma morbilidade major de 1,98%, mortalidade de 0%, com um índice de conversão de 8,6%, e as lesões da VBP foram de 0,68%.Repare-se que a morbilidade major vai decaindo ao longo dos anos (de 4,5% a 1,98%) mas não à custa das lesões da VBP, cuja prevalência se mantém entre os 0,5% e os 0,7%, nestes 25 anos.

Agradecimento a Exª Enfermeira Elisabete Antunes do B. O. desta Instituição, que desde o primeiro momento (Abril de 1995), neste projeto colaborou, até aos dias de hoje.

 

Bibliografia:

(1) Francisco Castro Sousa- Prefácio Iº Monografia da SPC (1995)

(2) Paulo Costa Correia, Eliseu Silva, Augusto Lourenço, Diogo Cabrita e Paulo Porciuncula – Primeiras 200 Colecistectomias no HSM – Revista do Centro Hospitalar de Coimbra 1 (5). 60-62, 1999.

(3) H. Bicha Castela e outros – Colecistectomia Laparoscópica: incidentes e Complicações. Análise de 300 casos operados – Iº Monografia da SPC (1995).

(4) Francisco Castro Sousa, L. Canaveira Manso e A. Milheiro – Colecistectomia Celioscópica: Experiência do Serviço de Cirurgia III dos HUC (1991-1993). – Iª Monografia da SPC

(5) Paulo Costa Correia – Colecistectomia Laparoscópica: Análise de 400 Casos – Revista da SPC Vol.11 Número 2-3 Agosto, Novembro 2002

(6) Paulo Costa Correia, Augusto Lourenço e Adelaide Campos – Iatrogenia na Via Biliar Principal na Colecistectomia Laparoscópica:  Revista Amato Lusitano 1º Trimestre de 2004 Ano VIII

(7) Paulo Costa Correia, Marília Rodrigues e Paula Caetano – Trabalho apresentado no Curso de Gestão e Direção em Saúde na disciplina de Direito, Deontologia e Ética em Saúde (2020)

(8) Paulo Costa Correia – Responsabilidade Médica – Publicação no site da Tribuna da Ordem dos Médicos (2020)

(9) Paulo Costa Correia e José Manuel Rodrigues – VIº Congresso dos Hospitais Distritais (2004)

(10) Fernandes A.R.S.R.: Colecistectomia Laparoscópica (Revisão bibliográfica e análise retrospectiva das Colecistectomias Laparoscópicas de 1995 a 2007 no Serviço de Cirurgia do HSM-Guarda) – Tese de Mestrado apresentada na UBI (2008)

(11) Paulo Costa Correia – II Encontro do Internato Médico do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra – Classificação e Tratamento das Lesões Iatrogénicas da Via Biliar Principal na Colecistectomia Laparoscópica (2019)

(12) Paulo Costa Correia, Liliana Coutinho Cabral e Pedro Caldes – Classificação e Tratamento das Lesões da Via Biliar Principal: Experiência do HSM/ ULS-Guarda (2020).