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Aos médicos do meu País – Sobre a alegria de estar aqui

Ana Paula Martins, bastonária da Ordem dos Farmacêuticos – In Juramento de Hipócrates 24 de Novembro de 2021

É com profunda alegria e reconhecimento pelo convite que me fizeram, que partilho este dia convosco, com os vossos mestres, com os vossos pares e com as vossas famílias.

2500 anos depois, ontem como hoje, aqui estão vocês no altar dos juramentos, que Hipócrates inaugura no compromisso lúcido e assumido do princípio da beneficência, de que um médico só responde perante a sua consciência, honrando os seus pares e os seus mestres, num processo de transmissão imemorial como o tempo, como a Terra, como o Universo…um juramento que vos liberta para uma vida com sentido no qual são os donos do vosso destino.

E neste mundo onde vão entrar e onde vos reconhecemos, há um espaço de carinho eterno que a Humanidade vos dedica através dos tempos, porque vós sois os apóstolos de um mundo livre, desenvolvido, progressista, menos desigual, onde não são precisas regras legais para que a vossa legis art se aplique a todo e qualquer ser humano, que aos vossos olhos e na vossa prática nasce com os mesmos direitos. Porque para vós a vida é um valor sem variação (cito Cardeal Tolentino de Mendonça, 10 de Junho).

Tenho de agradecer ao Presidente da Secção Regional do Sul da Ordem dos Médicos, Alexandre Valentim Lourenço, um amigo de sempre e ao Bastonário Miguel Guimarães, (um companheiro de todas as lutas, um ser humano admirável, com quem aprendi e a quem muito devo, que levo comigo no coração para a vida que me espera) a oportunidade de que estar aqui hoje a partilhar este momento, esta energia criadora, numa cerimónia milenar em pleno século XXI, neste admirável e perigoso Mundo Novo já descrito por Huxley, onde a tecnologia mais avançada, a inovação mais disruptiva, convivem com os maiores desafios éticos de que há memória, por via da desmaterialização do que é humano, do que é próximo, do que emociona, do que aproxima.

E Hipócrates não vos (não nos) deixou só o juramento que hoje aqui farão. Hipócrates e a sua escola, deixa-nos um guia náutico para uma travessia marítima pela vida simultaneamente, tempestuosa e serena (como todas as viagens marítimas o são), a que temos de prestar atenção, pela sua intemporalidade.

Um juramento que é citado, ao fim de 2500 anos pelo Tribunal dos Direitos Humanos. Um documento que configura os papiros essenciais da ética, numa simbiose quase perfeita entre a Medicina e a Filosofia, mãe de todas as ciências sinónimo da construção de uma República que, Platão, consagra ao Futuro.

Destaco a preocupação com o cuidar, com a vulnerabilidade, primeira de todas as evidências da construção humana. O fémur humano com uma fratura solidificada (Margareth Meat) prova de que o cuidar foi o sinal da emergência humana.

Por isso, nada do que pudesse fazer ontem, hoje e amanhã, deixaria tantas marcas em mim como estar aqui hoje, perante vós, os médicos do meu País.

Nada me daria maior felicidade, maior sentido de compromisso, maior entusiasmo como cidadã, maior responsabilidade como Bastonária dos Farmacêuticos, uma profissão que me orgulha e que partilhei com o meu pai e avós e que há quase 6 anos represento, ajudada e amparada pelos meus colegas dia após dia, numa comunidade aberta e justa, de homens e mulheres livres, na emergência de um momento novo de afirmação pela colaboração, com os médicos e outros profissionais da saúde, numa visão ampla em que a latitude do conhecimento expande e a proximidade nas relações ampara.

Porque as profissões científicas são exigentes e por isso humildes na sua natureza. Sabem/sabemos que a informação é diferente de conhecimento e é diferente de sabedoria. E que precisamos uns dos outros, uns e outros, para cumprir a nossa missão.

E tenho orgulho porque sinto que estamos todos preparados, que amadurecemos a nossa atuação coletiva, que não nos conformámos com insucessos relacionais do passado. Que não deixámos, e não deixaremos, que nos dividam.

Pelo contrário, aprendemos que o futuro passa por esta experiência oceânica da vida (cito Tolentino de Mendonça, 2010) em comunidade interprofissional, na qual nos sentimos com forças renovadas e intensidades novas no saber, partilha de responsabilidades, pegada de confiança mútua.

Isto sim é mais esperança para Portugal! Sermos capazes de desconfinar as profissões numa interacção exigente, madura, responsável. Não (e nunca) numa lógica de guerrilha por espaços que não nos pertencem, desgastados em lutas que não abonam em favor do bem comum.

Nada daria mais sentido e propósito ao Portugal que vivemos hoje, do que estar perante vós num pedido profundo de que nunca desistam de nós portugueses e portuguesas, que nunca diluam o vosso amor a Portugal. E que esse amor seja feito de infinitos, porque o suficiente é para quem passa pela vida sem intensidade (adaptado Mia Couto).

Nunca precisámos tanto dos nossos médicos como hoje. Também nunca os tratámos tão mal. Porque somos, sempre fomos, um País profundamente desigual, com muitos pobres, a precisar de vencer a batalha da educação e da literacia, com uma demografia que exige reorganizações, a precisar de desafiar velhas soluções, sem medo de identificar processos anti-democráticos, afrontando poderes instituídos, denunciando abusos de poder, e a falta de transparência.

Nos itinerários históricos das nações as crises sempre se repetem (cito Tolentino de Mendonça). Não há viagens longas sem crises. E é por isso que vos olhamos como parte das nossas raízes. Porque nascemos convosco, vivemos as nossas alegrias, insucessos, dificuldades, tendo-vos ao nosso lado. E convosco e através de vós teremos a coragem para transformar o futuro dos vossos filhos e dos nossos netos, no País que queremos ser.

E é por isso, que nunca desistimos de vos procurar em todos os momentos de aflição, certos de que contamos com a vossa presença na nossa vida. E é também por isso que precisamos que não nos deleguem, que estejam sempre por perto da nossa cabeceira, o mesmo é dizer, da nossa vida. Que entrem na nossa casa, e que nos continuem a viver na nossa intimidade. Em plena empatia e sintonia. Com a força da cumplicidade. Numa espécie de contrato pastoral como dizia João Lobo Antunes que diferencia o médico do que estudou medicina.

Não há profissão mais exigente, mais complexa, mais eterna, mais multidimensional do que ser médico. Não há sonho mais difícil de concretizar. Uma profissão que começa antes de começar. Quando, tão cedo, fazem a opção de dedicar anos da vossa juventude, da vossa energia criadora, abdicando dos vossos tempos de confraternização com os amigos, da vossa vida familiar, para desejarem ser médicos.

Começa cedo essa luta, por ter as melhores notas, por ter mais informação, por adicionar cultura à vossa educação, conhecimento vasto e profundo, para garantir que nos momentos certos, de tanto se empenharem e dedicarem, não vão falhar nos exames, não vão descer as notas, vão conseguir cumprir este desejo, que passa a ser desde cedo, também a ser uma expetativa familiar, um projeto de todos os que vos rodeiam.

Quantos fins de semana, férias, noites, dias intermináveis, fechados, olhando o sol pela janela, ouvindo os risos pelo Whats App, vivendo desgostos próprios dessa fase da vida na solidão do vosso quarto? Quantos de vós, hoje aqui presentes, não pensaram em desistir, não se perguntaram porquê esta enorme empreitada, não imaginaram como seria se, de repente, não precisassem de ter 19 ou 20 no exame de amanhã? E pudessem simplesmente sair, viver a vossa juventude, namorar, viajar? Se de repente, a vossa família, não precisasse muitas vezes, de se ver confrontada com custos que necessariamente tantos anos de formação acarretam? Quantos sacrifícios encerram as vossas 700 histórias, somatório da dívida que temos para convosco?

E uma vez chegados às academias médicas, percebem rapidamente que, daí para a frente ainda será mais exigente, que os 12 anos anteriores, foram a antecâmara de um caminho que, afinal nunca terminará?  Quantas perguntas e quantas respostas precisam ao fim de 6 longos anos que precederam o dia de hoje, para, finalmente, vos pedirmos este juramento? Este compromisso que assenta na vossa estrutura ética, moral? Que resume a vossa vida ao serviço dos outros?

Que vocação é esta que vos arrasta para uma vida sem vida própria? E depois, amanhã, já médicos, confirmarão aquilo que hoje já sabem: que o vosso caminho é a subida de uma montanha, sempre ingreme, cheia de incertezas, desde logo as que a ciência materializa através da vossa prática e que vos exige uma precisão, uma responsabilidade, um compromisso inteiro, que enquanto Sociedade não exigimos a mais nenhuma outra profissão? Talvez porque nenhuma outra profissão ama através da compaixão a maior de todas as dimensões fraternais que o homem conhece.

Tantas perguntas…a que ninguém conseguirá responder a não ser cada um de vós, no longo caminho da vossa afirmação como médicos, especialistas na arte de perguntar, e de narrar, na vida e na morte, a alma de cada um de nós.  A vida é feita de escolhas e vocês escolheram ser médicos.

E a primeira qualificação de um médico é a esperança (James Little). É isso que vos dá a coragem de nunca desistir e a nós a confiança de que nunca desistirão. Porque a medicina não é só feita de saber…precisa de viver aquilo que sabe.  É essa vossa atitude que vos prepara para falhar…e voltar a tentar, aprofundando, densificando, e dessa forma renovarem um dos pensamentos hipocráticos mais profundos, que dá sentido à vida de um médico: Onde quer que a arte da medicina seja amada também haverá amor pela humanidade (Hipócrates).

Quero evocar o Professor Manuel Eugénio Machado Macedo. Foi um príncipe da Medicina. Dedicou a sua vida à Medicina, à Música, e serviu os médicos e Portugal como Bastonário da Ordem dos Médicos. Somos eternos devedores do seu legado, que todos os anos é honrado com os prémios que nesta cerimónia vos distinguem. Nele, a vocação de serviço aos outros, o respeito pelo pela autonomia do doente, princípio fundamental da sua identidade e da preservação da dignidade humana. Foi um paladino do saber e do dever. Porque foi, tal como referiu Abel Salazar, um médico que não sabia só de medicina….. projetava a sua arte através de uma mundividência, só possível a um homem livre. Porque a cultura liberta.

Tal como vós, homens e mulheres a quem a medicina, tornou médicos, como disse João Lobo Antunes. Livres no seu exercício, num universo onde políticos e gestores, precisam de aprender não poderem jamais diluir, ainda que tentem enfraquecer, a vossa autonomia e capacidade de decisão pelo bem comum.

Neste que é o primeiro dia do resto da vossa vida, façamos nós o que é preciso para vos manter em Portugal. Acordemos!! Valorizemos o vosso esforço, e ergamos a nossa voz, estando ao vosso lado como vocês estão ao nosso lado. Na vida e na morte.

Sejamos dignos da vossa vontade de mudar o País, honremos o vosso sacrifício e o das vossas famílias, para que a vossa vocação se concretize, através da nossa gente, neste nosso chão comum.

Com a nossa voz, e a nossa indignação, sejamos nós capazes de vos merecer, exigindo a revisão da carreira médica, um espaço de progressão pelo mérito, vector absolutamente fundamental para uma medicina do século XXI, humana, onde a Nova Medicina como lhe chamou João Lobo Antunes, se concretiza numa liderança nova, através da construção de uma inteligência coletiva com as profissões da saúde, orientada para as pessoas, num mundo melhor, mais justo e mais feliz. Também para vós. Onde haja algum privilégio para tanta responsabilidade.

Sem essa revalorização, sem esse apelo à acção, que tem que ser nosso, perderemos a breve trecho a medicina de qualidade que nos caracteriza, porque não haverá viagem nem destino que preserve o ideal que animou a criação do SNS há 40 anos. E hoje, forçosamente com uma nova organização, uma transformação feita de trilhos diversos, já identificados há muito, já experimentados por muitos, precisamos de cumprir a nossa promessa constitucional do direito à saúde para todos os portugueses e para os que, na nossa visão tolerante e humanista, universalista, procuram Portugal para concretizar os seus sonhos de prosperidade e segurança.

E lá no futuro, onde esses sonhos coletivos moram, não há forma de chegar sem um Sistema de Saúde forte, preparado, com um capital humano motivado, valorizado, acarinhado. Que coabita e tem de coabitar, simultaneamente, com a inovação terapêutica e tecnológica e a humanização. Sempre sempre, na preservação da essência da relação médico-doente, que antes de ser já é Património Imaterial da Humanidade.

 

O nosso SNS

Mas o papel dos médicos na saúde tem que ser interpretado em toda a sua dimensão social, civilizacional. No ano em que o SNS assinalou os seus 40 anos de existência, nos livros diversos que foram publicados, é inegável o papel que os médicos tiveram na história da democracia, e por via dela, na saúde em Portugal e em todo o Mundo.

Se mais não tivesse servido, recordar o SNS foi recordar vultos da medicina, que a história não deixa esquecer. Portugal não seria o mesmo sem Ricardo Jorge, Miguel Bombarda, Júlio de Matos, Egas Moniz, Abel Salazar, Corino de Andrade, Baltazar Rebelo de Sousa, Francisco Gonçalves Ferreira, Arnaldo Sampaio, Miller Guerra, António Galhordas, Albino Aroso, Mário Mendes, Paulo Mendo, João Lobo Antunes, Carlos Ribeiro a quem presto hoje a nossa sentida homenagem.

Sim, estes e outros, são grande parte dos nomes inscritos no In Memorial do SNS, que pelo seu ativismo, princípios e valores, sonharam uma medicina de qualidade para Portugal. Não sei se era o SNS que se legislou na altura o que pretendiam para hoje.

Talvez não, mas o que importa é que a história demonstra a importância que o Relatório das Carreiras Médicas de Miller Guerra teve no Ensino e na Prática da Medicina, a importância que os Centros de Saúde de Gonçalves Ferreira assumiram na democratização do acesso à saúde, na importância política que alguns destes homens assumiram como Deputados da Assembleia Constituinte na sua Ala Liberal, para fazer avançar o país.

Como diz o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa há uma pré-história antes da história do SNS, que depois continuou e notabilizou sempre a profissão médica colocando-a ao serviço de um País que se queria mais desenvolvido. Estes são factos que a história e os portugueses não vão apagar, reconhecendo a densidade da vocação e da dedicação pelo bem comum que os médicos assumiram na sua pegada existencial.

 

Mas MUDAM-SE OS TEMPOS…MUDA-SE A MEDICINA

Portugal mudou e o mundo mudou. A ciência avança à velocidade da luz, o digital revolucionou o acesso à informação, os cidadãos são hoje mais informados, muitas vezes mais educados, exigentes e cientes dos seus direitos. Desejavelmente, numa sociedade madura, também das suas responsabilidades.

O médico já não é só o companheiro de viagem. É alguém de quem se espera tudo…menos a incerteza. E por muito que a tecnologia, a matemática, a data science nos ajudem a lidar de forma serena com a incerteza, não há forma de modificarem uma má notícia, que mais do que ontem não estamos preparados para receber. Porque não queremos simplesmente assumir que temos um fim.

São publicados diariamente milhares de artigos em cada uma das áreas científicas da biomedicina. Não há forma de os ler todos, de os conhecer em profundidade, de ter a certeza de que não há outras experiências, outras explicações para um qualquer fenómeno. A ciência hoje obriga-nos à compartimentação. Não está mal nem está bem. É um facto. E não se pode parar o vento com as mãos.

Por isso, a gestão da mudança é fundamental, numa atitude pró-ativa não de reinventar a medicina ou o papel do médico, mas de serem os médicos os agentes dessa mudança.

Quem melhor do que vós, a partir da herança que trazem convosco, para se encontrarem na profissão que querem continuar a ser? Quem melhor do que vós para discutir o modelo de ensino que querem nas vossas academias, as competências relacionais e digitais que a sociedade vos convoca a ter, a liderança sobre os processos, a refutação sobre as falsas evidências, a recusa da insistência que os poderes em todo o lado do mundo insistem, para que a indiferenciação seja uma realidade e assim, se banalizem atos que encerram responsabilidades únicas que não podem ser delegadas?

Quem poderá fazer frente à degradação da qualidade do ensino médico, da sua banalização, com a consequente desmotivação dos mais jovens que, mesmo com vocação, deixam de ver na medicina uma profissão de excelência?

E aqui, permitam-me que vos desafie nesta ampla plateia, assumindo que a tecnologia foi feita para libertar o potencial da relação médico-doente, para melhorar a partilha de conhecimento e autonomia próprias entre as equipas, para flexibilizar, para tornar os sistemas inteligentes, para ajudar a transformar, a criar valor. Não foi feita para substituir a vossa presença na nossa vida. E não é aceitável que hoje, pela falta de recursos, falta de organização, falhas no trabalho em equipa, se substitua o que é insubstituível: aquele olhar de cumplicidade, aquela mão amiga, aquela confiança de que tudo vai correr bem, mesmo na morte. E hoje, morre-se longe do médico nos nossos hospitais. E não é isso que esperamos depois de uma vida de compromisso convosco.

Tenho a experiência recente, familiar, da imensa qualidade dos enfermeiros em oncologia, na capacidade de cuidar, na presença constante à cabeceira dos que amamos. E tive total confiança na preparação e adaptação da medicação que os farmacêuticos fizeram para a necessária personalização da terapêutica. E vi, horas e dias, semanas a fio, a dedicação dos assistentes operacionais que se desdobram em carinho e consolo. Mas era o médico que queríamos ver, confirmando o que já sabíamos, mas que nunca tínhamos vivido. E esse papel não se delega. É a essência da resposta, da relação inquebrantável. É o nosso e o vosso contrato social.

O Professor Fernandes e Fernandes num artigo que escreveu no Observador e cito “a tentação de alguns para a dissolução da autoridade, a loucura igualitária que sacrifica estatutos profissionais, autoridade técnica e científica e responsabilidades à conveniência estratégica de certa política não serve os interesses dos portugueses” (e eu acrescento) nem do sistema de saúde, nem do SNS nem da Nação”.

 

Queridos amigos: não há medicina sem médicos. Não há Sistema de Saúde sem uma medicina de qualidade. E como Sociedade devemos recusar a ideia falaciosa, de que a tecnologia dará todas as respostas que precisamos. É a nossa humanidade que as dará, quando à tecnologia já só restar a indiferença da customização.

 

São assim os médicos do meu País

São assim os médicos do meu País. Fortes como o vento de Inverno, profundos como o Mar na sua sabedoria sobre as coisas dos homens, preparados para o que der e vier.

Os médicos do meu país não foram vencidos pela pandemia. Tal como na idade média, entregaram-se ao seu combate com as armas que tinham, com o saber de experiência feito, salvando vidas à sua passagem. Chorando mortes que a pandemia ceifou. Arriscando e celebrando a cada pequena vitória.

Os médicos do meu País são parte da nossa memória coletiva, passado construído contraventos e marés, num País que em 23 anos completará 900 anos de história. E cada médico que hoje aqui jura por nós, é uma luz que se acende….e nós precisamos de muitas luzes para que possamos, ainda que a espaços, enfrentar as trevas. Esse foi sempre o desafio da humanidade, a história de uma civilização de que a medicina sempre fez parte. Numa história sempre feita a tracejado, em que o maior desafio é a coragem de caminhar acompanhado. Porque ninguém se salva sozinho (cito o PaPa Francisco).

Os médicos do meu País não foram feitos para caber numa receita puritana encomendada para domesticar e padronizar o mundo. O discurso do politicamente correto é um crime contra as nossas nações, contra a originalidade e a diversidade dos nossos povos (Mia Couto em 2012 na Conferência de Fronteiras do Pensamento).

Os médicos do meu País sabem que há duas formas de amar um país: pela sua força ou pela sua fragilidade. E, ultrapassar a cultura da indiferença, na luta incessante pela justiça social, numa visão inclusiva para as diferentes gerações, obriga a que se reforce o nosso pacto comunitário. (cito Tolentino de Mendonça)

E é por isso que aqui estou. Para vos agradecer. Nesta inesquecível cerimónia, onde a bela tradição de convidar um dos 10 milhões de portugueses para vos dirigir palavras de motivação e incentivo, me fez recuperar um poema de William Ernest Henley ( INVICTUS) que vos dedico ao terminar.

 

Do fundo da noite que persiste

A me envolver em breu-eterno e espesso,

A qualquer Deus-se algum acaso existe,

Por minha alma insubjugável agradeço.

 

Nas garras do destino e seus estragos

Sob os golpes que o acaso atira e acerta,

Nunca me lamentei, e ainda trago

Minha cabeça-embora em sangue, ereta.

 

Além deste Oceano de Lamúria,

Somente o horror das trevas se divisa

Porém o tempo, a consumir-se em fúria,

Não me amedronta, nem me martiriza.

 

Por ser estreita a senda-eu não declino,

Nem por pesada a mão que o Mundo espalma;

Eu sou o dono e senhor do meu destino;

Eu sou o comandante da minha alma.

 

Ana Paula Martins – In Juramento de Hipócrates 24 de Novembro de 2021